.
Poema: O MOSTRENGO
.
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!"
.
De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"
.
Três vezes do leme as mâos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse ao fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ate ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!".
.
Fernando Pessoa, poeta, de seu nome completo Fernando António Nogueira Pessoa, nascido a 13 de Junho de 1888, em Lisboa, e falecido a 30 de Novembro de 1935.
Sem comentários:
Enviar um comentário