sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

ANTÓNIO AUGUSTO MENANO


Na China
1.
(Nos túmulos dos Imperadores Ming)

As faces de argila
têm os olhos para todos os lados
todas estas expressões
sacodem o pó dos tempos

2.
Os elmos e as espadas
os três dragões e as três Fénix
o xiezhi* e o leão
gastam-se.
Figuras e mausoléus
A que servem?
*
Animal mítico chinês
3.
(na Rota da Seda)

Já não saem das torres
sinais de fumo.

De cinquenta em cinquenta
quilómetros
já não sobem mensagens
no céu.

A rota já não é de seda
há pouco
que comunicar.

4.


Depois do Portão de Jade,
o deserto.
Quilómetros e quilómetros de areias.

Entrar nelas
é não poder sair.

5.


Este caminho não tem milagres,
guardei, na gaveta,
a bússola
que me levaria
à Grande Muralha.

Depois, atei uma fita vermelha
à pata direita do meu cavalo branco
para prender para sempre
o lago sossegado
onde adormeço.

6.


No bolso
uma raiz de lótus vermelho
símbolo da perfeição

lá longe
onde os seios são ilhas
de pedras ressequidas
plantei-a
ao lado
da jóia esmeralda
do meu sonho.

7.


És a desconhecida do pavilhão de chá
vestida de negro,
ténis vermelhos
junto ao lago em Xangai.

És a que passou, súbita,
frente ao Canídromo,
numa tarde quente.

Também te vestias de vermelho
no templo de A-Má.

As vossas pernas enchem o fogo,
encolhem-se, abrem-se, hesitam,
desprezam os universos
em que o sangue corre adormecido.

Nessas tardes disse-vos:
és a desconhecida
das praças e dos ritos
que me modelam
e constroem.

Só assim pude
encontrar a matéria
que me nutre
quando respiro.

8.


Atirei uma pedra
à Grande Muralha
fez ricochete
voltou aos meus pés.

Soube então
que não morreria
sem regressar.

António Augusto Menano (do seu livro, “Poemas da Roxa Aurora”

António Augusto Menano é natural de Coimbra, onde nasceu em 6 de Maio de 1937. Considera a Figueira da Foz a sua cidade natal.
Escritor, poeta, crítico, artista plástico.

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