Convocação
Vem ter comigo, Noite escura
Como uma sepultura.
Tenho estrelas aos pés para te dar.
De mim te vai nascer o luar.
Saudade, vem, aperta-me a garganta
Com tua garra de carícias. Canta
A boca aberta ao ar que já lhe falha,
Mas que enchem versos que, mau grado, espalha.
Vem, Solidão, fazer-me companhia,
Remove do meu peito a laje fria.
Tenho vidas a mais, que não consigo
Viver senão contigo.
Tristeza e Humilhação, que procriais rancores,
Vinde, cobrir-vos-ei de flores.
Por ínvios descampados
Chego aos jardins suspensos enterrados.
Traições, Tédio, Amargor, Martírios, Agonias,
Enchei as minhas mãos vazias.
Liberais vo-las trago a receber-vos:
Tiranos que me fostes, soi-me servos.
Vem, Desespero! Enche-me o espaço,
Despoja-me do nada a que me abraço.
Quero embalar-te ao colo da esperança
Que nada pede, - tudo alcança.
Depois vem tu, quando te apraza.
Se ainda tremo ao pressentir-te a Asa,
Já, dada a volta, vou voltando à Origem.
Vem buscar o teu noivo outra vez virgem.
José Régio
José Régio, (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira), nasceu em Vila do Conde a 17 de Setembro de 1901, onde faleceu em 22 de Dezembro de 1969. Foi um escritor distinto e poeta de fina estirpe.
Na sua obra poética conta-se obras como Poemas de Deus e do Diabo (de que se destaca o tão conhecido Cântico Negro (… Não sei por onde vou/Não sou para onde vou,/- Sei que não vou por aí!)), Cântico Suspenso, Colheita da Tarde e Poema para a minha Mãe.
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