sábado, 13 de fevereiro de 2010

CRISTINA TORRES


As Lavadeiras

Anda daí.
Vamos ver as lavadeiras,
Como trabalham! Ligeiras
Se sucedem as pancadas
Dadas na roupa, a escorrer;
As pernas metidas na água
- Inchadas, cheias de dores
De tanta sofrer, coitadas!

Anda daí.
Não queres vir?
Porquê? Tens medo de olhar?
Não queres, talvez, reparar
Nos sofrimentos alheios!
Queres levar a vida a rir?
Louca! Pode-se acaso viver
A vida deste momento
Sem ouvir triste lamento
Que tudo solta em redor?!

Tens lido versos cantando
As pernas das lavadeiras,
Os seus olhos de veludo,
Suas cantigas fagueiras?

Tens lido que são alegres,
Felizes e amorosas.

Olha, ali naquele relvado,
Dorme um pobre pequenino,
Um lindo, loiro menino,
Que não tem berço, coitado,
Quando a mãe abre a camisa
(camisa se é que a tem)
A mãozinha da criança,
A sua boca infantil
Procuram o seio da mãe.
Esse seio, que há uns meses
Era túrgido e rosado,
E hoje triste, engelhado,
A pele cheia de asperezas.

Seio de pobre! Os revezes
Destroem toda a Beleza.
Esta pobre rapariga
- Tem uma história banal –
Foi há tempo abandonada
Por um poeta ideal.
Viu-a uma tarde a lavar,
Fez-lhes uns versos,
Namorou-a,
Teve-as uns dias,
Deixou-a.
Nasceu aquela criança.
Um caso vulgar e vil
Como tantos, tantos mais!
Li, ontem, uns versos dele,
Feitos – segundo os jornais –
Para uma festa infantil.

Repara naquela velha:
É já toda encarquilhada;
E, contudo, desgraçada,
Lá vai lavando os trapinhos,
O homem morreu no mar
E os filhos são pobrezinhos.

Olha aquela pequenina:
Tem só nove anos. Gentil!
É uma rosa de Abril,
É uma linda menina,
A Mãe ficou moirejando,
O Pai lá vai procurando
Trabalho para viver.
Ela veio, corajosa,
Vergada ao peso da roupa
- Cedo começa a sofrer.

Anda, olha-a. É tão linda!
Tem olhos acastanhados,
Os lábios estão desbotados,
- Porque não usa batôn.
Sorri p’ra tudo. É a idade
- Pois é tão novinha ainda!
Tudo nela nos seduz.

A água vai-a beijando
O sol envolve-a de luz…

E ela canta. Ouve-a cantar,
Repara: há já amargura
Nesse canto juvenil.
Que queres? A vida é tão dura!
- E mesmo em dias de Abril
Costuma às vezes nevar.

Cristina Torres

Cristina Torres (Cristina Torres dos Santos) nasceu na Figueira da Foz em 22 de Março de 1891, aí falecendo em 1 de Abril de 1975. Foi uma lutadora pela independência das mulheres, ficando o seu nome gravado numa as artérias da cidade que a viu nascer e sendo, também, patrona duma escola secundária na Figueira. Colaborou em diversos órgãos de comunicação social.

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