sábado, 13 de julho de 2019

Quadra

Um poema
para hoje

Já queria ser um homem
Ainda era pequenino
Agora que homem sou
Quem me dera ser menino

AJdeMatos

quarta-feira, 4 de abril de 2018

CAMILO CASTELO BRANCO






Os amigos

 
Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.
- Que cento e nove impávidos marotos!



Camilo Castelo Branco


 

quinta-feira, 18 de maio de 2017

António Lobo Antunes

 
Homens constipados

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão-de-ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.
 
António Lobo Antunes - escritor e psiquiatra  português -  
(Sátira aos HOMENS quando estão com gripe)
 

domingo, 12 de junho de 2016

Aníbal José de Matos



ESPERANÇA SEM SENTIDO

 

A esperança esvai-se entre meus dedos

Acossada por medos doentio

Que me roubam o discernimento

E impedem de divisar o horizonte

Limitando espaços e ternuras.

 

Invade-me a apatia

E remorsos forçam a entrada

Remoendo entranhas e minando artérias,

Entorpecendo saudades dolorosas

E avivando feridas entreabertas.

 

Ainda sonho em sorrir

Mas um rio de lágrimas

Dilata as margens do meu pranto

E as amarras que me tolhem

Impedem que te ame e encha teu regaço de flores.

 

Sombras aprisionam réstias da esperança

Que ainda vagueava sem sentido

Estupidamente à espreita dum regato

A transformar-se num mar

Que me levasse ao calor dos teus abraços.

 

Esperança que morre de tortura

À míngua do carinho do teu seio.
 
 
An+ibal Jos+e de Matos (Figueira da Foz)

sexta-feira, 20 de maio de 2016


Miguel Torga

Portugal

Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.

E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
 
Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia da Rocha, (1907 - 1995).
Poeta e escritor português.
 

domingo, 15 de maio de 2016


Cidália Rodrigues
 


Do patamar

Do patamar da varanda
Vejo a escola onde andei,
Ponho-me a olhar…
E por entre os verdes ramos da laranjeira
Vejo o que foi o sonho…

Há Luz no recreio
Saltos e palmas, 
Que alegria
VER todas as crianças a brincar na primavera
Esquecer o frio e chuva do duro inverno
Esperar cantando o sonho da quimera.

Tantos anos passaram
E o sonho vivi,
Ponho os olhos na escola
E sonho outra vez pelo que aprendi.

Acordo do devaneio
Levantando os olhos bem alto
Vejo o azul do céu que me bafeja
Além uma andorinha,
Voando de ramo em ramo
À procura do sol quente
À procura das sementes
Para fazer o seu ninho
Mais além um limoeiro
Com seus ramos esticados
Há um cheiro a laranjeira
De laranjas doces e amarelinhas
Que belo este dia,
Em que me fraseio
À Luz do Sol quente
Em puro mês de Fevereiro

Cidália Rodrigues  (In DOS FRANCESES ATÉ À GUIA)

segunda-feira, 25 de abril de 2016

 SOPHIA DE MELLO BREYNER

 


Noite de Abril

Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera

Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.



Sophia de Mello Breyner Andresen. Poetisa portuguesa 
(1919 - 2004)
 
 
 
contador online gratis