segunda-feira, 27 de junho de 2011

JÚLIO DINIS



Em horas tristes

Ela vivia só naquela aldeia,
Sem ter um coração que a compreendesse.
Passei um dia ali, falei-lhe, amei-a…
Ai, se esses tempos esquecer pudesse!

E julgou-se feliz! Pobre criança!
Era feliz naqueles curtos dias,
E eu deixei-lhe nascer sem esperança
E sem porvir aquelas alegrias!

Oh! Como é sem piedade a juventude!
Como é cruel a idade dos amores!
Desfolhando as flores da virtude,
Como se fossem verdadeiras flores.

Sopra-se ao coração, que a nós se entrega,
A labareda de violenta chama.
E ao capricho cruel duma paixão cega
Sacrifica-se tudo quanto se ama.

E eu fi-la entrever em doce enleio
Dum mundo novo as mal sonhadas cenas;
E sentia-se corar e arfar-lhe o seio,
E delirante respirar apenas!

Parti jurando amá-la toda a vida.
Pude fazer aquele juramento!
Ela ficou chorando-me, iludida,
E eu paguei-lhe a ilusão com o esquecimento.

Perdido dos prazeres no tumulto
Levado nessa rápida voragem,
Não mais pensei naquele doce vulto;
Nunca mais entrevi a sua imagem.

E ela?... Talvez no coração ferida
Por minha leviandade criminosa,
Vivesse dias de enlutada vida,
Sem ter na terra a sagração de esposa.

Ai, memórias cruéis do meu passado,
Como pungentes me feris agora!
Poupai, poupa-me o coração magoado,
Livrai-me do remorso que o devora.

Júlio Dinis

Júlio Dinis, pseudónimo literário do médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho, um dos mais destacados escritores e poetas portugueses, nasceu no Porto em 14 de Novembro de 1839, ali falecendo em 12 de Setembro de 1871.
Deixou-nos peças literárias de grande fulgor como AS PUPILAS DO SENHOR REITOR (adaptado ao cinema), A MORGADINHA DOS CANAVIAIS (idem), UMA FAMÍLIA INGLESA, SERÕES DA PROVÍNCIA, OS FIDALGOS DA CASA MOURISCA (romance também adaptado ao cinema), POESIAS, INÉDITOS E DISPERSOS e TEATRO INÉDITO.

domingo, 19 de junho de 2011

Portugal

Pesadelo

Nuvens negras encobrem o céu do meu país,
As aves anunciam derrocadas,
Os valores da vida são um quase nada
Nos sinuosos caminhos de precoce anoitecer.

O mundo vai envelhecendo
Sem norte, sem sentido, sem vigor.
E as crianças tardam a nascer
Porque o presente augura mau futuro.

Queria adormecer para que um dia
Saísse deste coma que me envolve,
E pudesse orgulhar-me de dizer:
Enfim, este é o Portugal com que sonhei.

Aníbal José de Matos

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Aníbal José de Matos





SE EU CAIR


Se eu cair
Não me levantem,
Que estou imune às pedras pontiagudas.
Nada me fere
Nem tampouco me beliscam
As lâminas das escarpas.
Apenas e nem sempre as vozes me magoam
Quando o eco me confunde
E acerta-me na alma,
Na tentativa de dilacerar
O espírito que às vezes me consome.

Atirem-me pedras,
Rasguem-me a carne,
Mas não me tentem destruir o pensamento,
Que eu quero trilhar

Os caminhos da minha consciência.

Aníbal José de Matos (Junho de 2011) – Do livro, a publicar, com o título provisório de LETRA PARA UM FADO.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Filipa Duarte





Ao maior Poeta Português!

Comemorar o Dia de Camões,
O insigne Poeta português,
É encantar p’ra sempre gerações
Com os poemas que em vida fez.

Camões enalteceu como ninguém
A Pátria querida que o viu nascer.
Deu à Palavra o valor que tem,
Nos vivos cantos sempre a florescer.

Viveu intensamente, alcançou glória.
Deixou gravadas, em páginas de ouro,
Memórias de um povo aventureiro.

Passados tantos séculos de História,
Camões é, para nós, real tesouro,
Em todos os géneros é o primeiro!

Filipa Duarte (10 de Junho de 2011)






- Distinta poetisa de Tondela, que faz o favor de ser minha Amiga.-

Um bem

Por caminhos tortuosos tenho passado
Sempre com a mesma força de vencer.
Tenho amigos que seguem a meu lado,
Amigos que é um bem alguém os ter.


Filipa Duarte

O Aníbal faz parte desses meus Amigos que prezo muito.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

António Amargo



O segredo de amar

O nosso amor não é desses amores
Que brilham como súbito clarão,
Com a ardência feroz duma paixão,
E a duração efémera das flores.

Não terá com certeza esses ardores,
Que transformam o peito num vulcão
E queimam tão depressa o coração,
Passados os instantes tentadores.

O nosso amor é calmo e sossegado
Cimo uma noite branda de luar
Brilhando na nudez dum descampado.

Nesse sossego de ouro transparente
É que reside p’ra quem sabe amar,
O segredo de amar eternamente.

António Amargo.



Soneto publicado no jornal figueirense O Palhinhas (de que era redator), na sua edição n.º 7, de 12 de Agosto de 1915.

António Amargo, pseudónimo de António Correia Pinto de Almeida, foi jornalista, escritor e poeta da Figueira da Foz onde nasceu em 1895.
Foi diretor, editor e redator do jornal Gazeta da Figueira, sendo, em Lisboa, redator da Imprensa da Manhã e trabalhado em A Capital.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Cesário Verde



CINISMOS

Eu hei-de lhe falar lugrumemente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha Cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada...

Cesário Verde

Cesário Verde (José Joaquim Cesário Verde, de seu nome completo), nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de 1855, ali falecendo em 19 de Julho de 1886, contando, pois, apenas 31 anos de idade. Em 1877 começou a ter sintomas de tuberculose, doença que já lhe roubara o irmão e a irmã. Estas mortes inspiraram um dos seus principais poemas intitulado NÓS.
No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, que são os seus cenários prediletos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se de uma forma mais natural.

domingo, 5 de junho de 2011




O Mar da Minha Loucura

Se eu pudesse começar de novo
Caminhava sobre o mar,
Erguia-me rumo às estrelas
E oferecia-te flores,
Iluminava-te o rosto
Com o vermelho das galáxias,
Salpicava-te de gotas
Desse oceano imenso.

Sonhava inspirar-me
Com a sedução do mar,
Arriscar a minha vida
Em caravelas quinhentistas,
Para que pudesse ver-te
Em ondas de volúpia,
Saltitar como os golfinhos
E beijar-te.

O mar envolve-me
E fascina-me,
As vagas acalentam
E destroem os fantasmas
Que envolvem a minha vida,
E o azul reflecte-se nos teus olhos.
Se eu pudesse ver o céu
Embalava-te nas nuvens.

Quero beber deste mar
De heróis e mártires,
De sangue e de soluços,
Percorrer as entranhas
E dilatar as veias
Dessa imensidão,
Para que possa encontrar-te
E dizer quanto te amo.

Mar do meu encanto
E da minha solidão,
Se pudesse começar de novo
Mergulhava de mansinho
E navegava em barcos de papel,
Onde o desenho do teu rosto
Figurasse na proa
Duma nau imaginária.

Eu te agradeço oh mar,
Por trazeres à tona
Os meus sonhos de loucura!


Aníbal José de Matos (Junho de 2011)










 
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