quarta-feira, 30 de março de 2016

Um poema para hoje

 


SONETO DE LA CARTA
 
Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con Ia flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.
 
El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce Ia sombra ni Ia evita.
Corazón interior no necesita
Ia miel helada que Ia luna vierte.
 
Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.
 
Llena, pues, de palabra mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche dei alma para siempre oscura.
 
Federico García Lorca, poeta e dramaturgo espanhol (1898 - 1936)
 
 
 
 

terça-feira, 29 de março de 2016

Um poema para hoje

 
Ary dos Santos




 

 
 
Ecce Homo
 
 
 
Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.
 
Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,
 
Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.
 
José Carlos Ary dos Santos, poeta português. (1937 – 1984)

segunda-feira, 28 de março de 2016

Um poema para hoje


Cecília Meireles
 
 
 

O que amamos

está sempre longe de nós


O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos - que não sabe
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor.

O que amamos está como a flor na semente,
entendido com medo e inquietude, talvez
só para em nossa morte estar durando sempre.

Como as ervas do chão, como as ondas do mar,
os acasos se vão cumprindo e vão cessando.
Mas, sem acaso, o amor límpido e exato jaz.

Não necessita nada o que em si tudo ordena:
cuja tristeza unicamente pode ser
o equívoco do tempo, os jogos da cegueira

com setas negras na escuridão.

Cecília Meireles (Cecília Benevides de Carvalho Meireles) , poetisa brasileira, natural do Rio de Janeiro, onde nasceu a
7 Nov 1901 e faleceu em 9 Nov 1964 )

sábado, 26 de março de 2016


A Morte, O Espaço,
A Eternidade

JORGE DE SENA,
em sábado de Aleluia


De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrumanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
Não foi. Quando aceitamos como natural,

dentro da ordem das coisas ou dos anjos,
o inominável fim da nossa carne; quando
ante ele nos curvamos como se ele fora
inescapável fome de infinito; quando
vontade o imaginamos de outros deuses
que são rostos de um só; quando que a dor
é um erro humano a que na dor nos damos

porque de nós se perde algo nos outros, vamos
traindo esta ascensão, esta vitória, isto
que é ser-se humano, passo a passo, mais.

A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. Somos
esse negar da espécie, esse negar do que
nos liga ainda ao Sol, à terra, às águas.
Para emergir nascemos. Contra tudo e além
de quanto seja o ser-se sempre o mesmo
que nasce e morre, nasce e morre, acaba
como uma espécie extinta de outras eras.
Para emergirmos livres foi que a morte
nos deu um medo que é nosso destino.

Tudo se fez para escapar-lhe, tudo
se imaginou para iludi-la, tudo
até coragem, desapego, amor,
tudo para que a morte fosse natural.

Não é. Como, se o fôra, há tantos milhões de anos
a conhecemos, a sofremos, a vivemos,
e mesmo assassinando a não queremos?
Como nunca ninguém a recebeu
senão cansado de viver? Como a ninguém

sequer é concebível para quem lhe seja
um ente amado, um ser diverso, um corpo
que mais amamos que a nós próprios? Como
será que os animais, junto de nós,
a mostram na amargura de um olhar
que lânguido esmorece rebelado?

E desde sempre se morreu. Que prova?
Morrem os astros, porque acabam. Morre
tudo o que acaba, diz-se. Mas que prova?
Só prova que se morre de universo pouco,

do pouco de universo conquistado.

Não há limites para a Vida. Não
aquela que de um salto se formou
lá onde um dia alguns cristais comeram;
nem bem aquela que, animal ou planta,
foi sendo pelo mundo este morrer constante
de vidas que outras vidas alimentam
para que novas vidas surjam que
como primárias células se absorvam.
A Vida Humana, sim, a respirada,
suada, segregada, circulada,
a que é excremento e sangue, a que é semente
e é gozo e é dor e pele que palpita
ligeiramente fria sob ardentes dedos.
Não há limites para ela. É uma injustiça

que sempre se morresse, quando agora
de tanto que matava se não morre.
É o pouco de universo a que se agarram,
para morrer, os que possuem tudo.
O pouco que não basta e que nos mata,
quando como ele a Vida não se amplia,
e é como a pele do ónagro, que se encolhe,
retráctil e submissa, conformada.
É uma injustiça a morte. É cobardia
que alguém a aceite resignadamente.
O estado natural é complacência eterna,
é uma traição ao medo por que somos,
áquilo que nos cabe: ser o espírito

sempre mais vasto do Universo infindo.

O Sol, a Via Láctea, as nebulosas,
teremos e veremos até que
a Vida seja de imortais que somos
no instante em que da morte nos soltamos.
A Morte é deste mundo em que o pecado,
a queda, a falta originária, o mal
é aceitar seja o que for, rendidos.

E Deus não quer que nós, nenhum de nós,
nenhum aceite nada. Ele espera,
como um juiz na meta da corrida

torcendo as mãos de desespero e angústia,
porque nada pode fazer nada e vê
que os corredores desistem, se acomodam,
ou vão tombar exaustos no caminho.
De nós se acresce ele mesmo que será
o espírito que formos, o saber e a força.
Não é nos braços dele que repousamos,
mas ele se encontrará nos nossos braços
quando chegarmos mais além do que ele.
Não nos aguarda – a mim, a ti, a quem amaste,
a quem te amou, a quem te deu o ser –
não nos aguarda, não. Por cada morte
a que nos entregamos ele se vê roubado,
roído pelos ratos do demónio,
o homem natural que aceita a morte,
a natureza que de morte é feita.

Quando a hora chegar em que já tudo
na terra foi humano — carne e sangue —,
não haverá quem sopre nas trombetas
clamando o globo a um corpo só, informe,
um só desejo, um só amor, um sexo.
Fechados sobre a terra, ela nos sendo
e sendo ela nós todos, a ressurreição
é morte desse Deus que nos espera
para espírito seu e carne do Universo.
Para emergir nascemos. O pavor nos traça
este destino claramente visto:
podem os mundos acabar, que a Vida,
voando nos espaços, outros mundos,
há-de encontrar em que se continui.
E, quando o infinito não mais fosse,
e o encontro houvesse de um limite dele,
a Vida com seus punhos levá-lo-á na frente,
para que em Espaço caiba a Eternidade
.


JORGE DE SENA, Assis, 1 de Abril de 1961, sábado de Aleluia

sexta-feira, 25 de março de 2016

Páscoa 2016


Hoje
é SEXTA-FEIRA SANTA
 
 
Paixão de Cristo

Aqui estamos humildes, em frente a vós, Senhor
olhando o Vosso rosto sofredor , mas que seduz,
pensando nesse exemplo de fidelidade ao Pai
levando com tanta dor e coragem a pesada cruz.


Aqui, contemplando os espinhos ferindo Tua carne
as mãos trespassadas os pés sangrando, choramos
deste-nos tudo, vida, amor ,fé, esperança, caridade.
Nós ingratidão …É a Vossa Paixão perdoa, Te imploramos.

Olhamos nos teus olhos, Tua boca diz-nos …Coragem!
Continuem… A vossa vida na terra é um caminhar
uma breve passagem plantada num canteiro .
As flores que desabrocham, para quem Mas levar.

Assim as vamos plantando com trabalho e oração
esperando que nossas lágrimas as reguem humanamente.
As flores irão crescendo ao Sol que procuram
Luz do infinito Amor e do Vosso perdão, simplesmente.
 
Helena

quinta-feira, 24 de março de 2016

Quinta-feira SANTA


O ENCOBERTO
 
 
Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa que é o Cristo.

Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto
.
 
Fernando Pessoa

segunda-feira, 21 de março de 2016

Um Portugal de poetas


SER POETA
 
Ser poeta é ser pessoa.
É sentir lá bem no fundo
Que por muito que nos doa
Há que ter fé neste mundo...
 
É ver a terra ao contrário,
É cantar outras visões,
Épintarmos um cenário
Com a cor das ilusões...

Aníbal José de Matos (Figueira da Foz), 1992

sexta-feira, 18 de março de 2016

António Nobre




Vaidade, tudo vaidade

 


Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for alguém,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.

Vaidade é o luxo, a glória, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor de tua mãe...

Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com minha escuna,
E ninguém me valeu na tempestade!

Hoje, já voltam com seu ar composto,
Mas eu, ve lá! eu volto-lhes o rosto...
E isto em mim não será uma vaidade?

 

António Nobre - Poeta português, autor, entre outras obras, do célebre poema "SÓ". Completam-se hoje 116 anos sobre a data da sua morte (18 de março de 1900). Faleceu na Foz do Douro contando apenas 32 anos.
 
contador online gratis