quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Acácio Antunes

Indelével

Uma vez só toquei as tuas mãos pequenas,
Uma só vez ouvi a tua voz suave;
Mas senti o contacto ideal das açucenas,
Mas ouvi nesses sons doces gorjeios de ave.

Hoje, após tanto tempo, embora então apenas
Durasse um só instante esse gentil conclave,
Lembram-me exactamente as tuas mãos pequenas,
Recordo-me ainda bem da tua voz suave.

E muita vez, cerrando as pálpebras serenas,
Para que essa impressão melhor na mente grave,
Eu sinto ainda o contacto ideal das açucenas
E escuto ainda esses sons, como gorjeios de ave.

Acácio Antunes
Acácio Antunes, de seu nome completo, Acácio Graciano Antunes Brás, nasceu na Figueira da Foz em 26 de Agosto de 1853 e faleceu em Lisboa a 2 de Abril de 1927.
A sua primeira obra foi a peça “A Embaixatriz”. Foi poeta, escreveu imensas peças teatrais, e o poema “O Estudante Alsaciano” tornou-se um dos seus trabalhos mais conhecidos. A Câmara Municipal da Figueira da Foz homenageou a sua memória, colocando o seu nome numa das artérias citadinas.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ruy Belo

E tudo era possível
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Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
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Chegava o mês de Maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
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E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
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Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
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Ruy Belo

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Frei Hermano da Câmara

Minha Mãe nasci fadista
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Minha Mãe, nasci fadista,
Mora fado no meu peito,
Não se canse, não insista,
Não há ninguém que resista
Quando vive satisfeito.
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Não lhe dê maior cuidado
Este modo de cantar,
É meu Destino marcado
Quando sofro canto o fado,
Antes isso que chorar.
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Fado é triste, solidão,
Fado existe em todos nós.
Cantar fado é meu condão,
É dar fala ao coração
E dizer com esta voz:
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A cantar vivo contente,
Tenho a vida que Deus quis.
Quando o fado é permanente
Dá tristeza a quem o sente
Mas quem o canta é feliz.
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Frei Hermano da Câmara
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"O grande amor à música e em especial ao fado, vai levar o jovem D. Hermano Cabral da Câmara a juvenis fadistadas com seus irmãos. Tal não é de admirar, havendo ele nascido, em 1934, numa família de aristocratas e fadistas.
Grava o seu primeiro disco no circuito comercial em 1959, Sunset and Sentimental, onde se encontram temas ainda hoje conhecidos, como Colchetes de Oiro.
Rapidamente a sua voz, muito particular, conquistará o coração de inúmeros fãs.
Com 27 anos decide, bruscamente, tornar-se monge beneditino. Desta resolução nasce o mítico Fado da Despedida.
Ao longo dos anos, e com a abertura proporcionada pelo Concílio Vaticano II, Frei Hermano da Câmara voltará a gravar temas, marcados pela sua vocação religiosa, onde a sua voz continua a revelar o fulgor que o distinguiu."

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

José Régio

CRISTO
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Quando eu nasci, Senhor, já tu lá estavas,
Crucificado, lívido, esquecido.
Não respondeste, pois, ao meu gemido,
Que há muito tempo já que não falavas...
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Redemoinhavam, longe, as turbas bravas,
Alevantando ao ar fumo e alarido.
E a tua benta Cruz de Deus vencido,
Quis eu erguê-la em minhas mãos escravas!
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A turba veio então, seguiu-me os rastros;
E riu-se, e eu nem sequer fui açoitado,
E dos braços da Cruz fizeram mastros...
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Senhor! eis-me vencido e tolerado:
Resta-me abrir os braços a teu lado,
E apodrecer contigo à luz dos astros!
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José Régio
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José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde a 17 de Setembro de 1901, aí falecendo em 22 de Dezembro de 1969.
Como escritor, José Régio, dedicou-se ao ensaio, à poesia, ao texto dramático e à prosa.
José Régio é considerado um dos grandes vultos da literatura portuguesa, e recebeu, em 1966, o Prémio Diário de Notícias e, em 1970, o Prémio Nacional da Poesia.
Um dos seus poemas mais conhecidos é o célebre "Cântico Negro": "(...) Não sei por onde vou,/Não sei para onde vou,/- Sei que não vou por aí!"
As suas casas em Vila do Conde e em Portalegre foram transformadas em casas-museu.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

António Gedeão

Pedra Filosofal
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Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
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Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
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Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
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Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança.
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ANTONIO GEDEÃO
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António Gedeão, pseudónimo de Rómulo vasco da gama de carvalho, nasceu em 1906. Acabou, no Porto, o curso de Ciências Físico-Químicas, exercendo depois a actividade de professor. Teve um papel importante na divulgação de temas científicos, colaborando em revistas da especialidade e organizando obras no campo da história das ciências e das instituições, como A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX. Publicou ainda outros estudos, como História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1959), O Sentido Científico em Bocage (1965) e Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII (1979).Mostrou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo. A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990). Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogéneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia. Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção.Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973). Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago de Espada. Morreu em 1997.
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Nota: Por lapso (agradeço a chamada de atenção do meu visitante e amigo, Silva Cascão) publiquei, anteriormente, a fotografia de Urbano Tavares Rodrigues como sendo a de António Gedeão. Tal falha deveu-se a ter trocado a foto com a do autor de um artigo sobre o poeta. Penitencio-me e reitero o meu agradecimento a Silva Cascão que, como referiu em comentário, estava correcta a que publiauei em PRESENTE.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Bruno Tolentino


MECANISMOS
Havia um azul sereno
naquele roxo florindo,
o jardim dava no tempo
e o tempo passava rindo.
É tudo de que me lembro.
Quase nada do que sinto.
Deu-se a flor ao pensamento
entre a memória e o instinto.
O mais é aquilo que invento,
as músicas que mal digo,
orvalhos que ficam sendo
daquele jardim antigo.
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Bruno Tolentino
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Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino, foi um poeta brasileiro, nascido no Rio de Janeiro a 12 de Novembro de 1940 e falecido em São Paulo em 27 de Junho de 2007).
Nascido numa tradicional e rica família carioca, conviveu desde criança com intelectuais e escritores como Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
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Escreveu, entre outras, as seguintes obras: "Anulação e outros reparos", "Le vrai le vain", "About the hunt", "As horas de Katharina", "Os deuses de hoje", "Os sapos de ontem", "A balada do cárcere", "O mundo como Ideia" e "A imitação do amanhecer".

terça-feira, 3 de novembro de 2009

José Gomes Ferreira


Morrer

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados,
fartos do mesmo sola fingir de novo todas as manhãs,
convocaríamosos amigos mais íntimos
com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:
"Fulano de tal comunica a V. Exa.
que vai transformar-se em nuvem
hoje às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente,
com passos de reter tempo,
fatosescuros, olhos de lua de cerimónia,
viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio."Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho,
sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer,
começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?)
— nesta tarde de Outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
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José Gomes Ferreira
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José Gomes Ferreira nasceu no Porto em 9 de Junho de 1900.
Licenciou-se em Direito, e posteriormente foi Cônsul na Noruega. Paralelamente, seguiu também carreira como compositor, chegando a ter a sua obra "Suite Rústica" estreada pela orquestra do maestro figueirense David de Sousa.
Ganhou em 1961 o Grande Prémio da Poesia instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, instituição de que viria a ser Presidente e foi condecorado pelo Presidente da República Ramalho Eanes com a comenda da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.
Faleceu em 8 de Fevereiro de 1985.
 
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