segunda-feira, 25 de abril de 2016

 SOPHIA DE MELLO BREYNER

 


Noite de Abril

Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera

Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.



Sophia de Mello Breyner Andresen. Poetisa portuguesa 
(1919 - 2004)
 
 

quarta-feira, 20 de abril de 2016


Carlos Carranca
 
Pesam sobre mim
 
Pesam sobre mim
séculos de silêncio e tradição
Pesam sobre mim
recordações enigmas
Pesam sobre mim
séculos de poemas
oblações paradigmas
Pesam sobre mim
esses lugares de origem
antiquíssimos eternos
subterrâneos dizem,,,
Sobre mim
na paz vingada dos mortos
Pesam séculos absortos
,,, séculos.
 
Carlos Carranca
De seu nome completo, Carlos Alberto Carranca de Oliveira e Sousa,  é natural da Figueira da Foz (Portugal), onde nasceu em 1957.
Este poema encontra-se inserido na ANTOLOGIA DE POETAS FIGUEIRENSES.

segunda-feira, 18 de abril de 2016


ANTERO DE QUENTAL
(18 de abril de 1842 - 11 de setembro de 1891)
 
 
AD AMICOS
 
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.

O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvaI e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.

Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d'um presentir divino;

Mas n'um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
 
Antero Tarquínio de Quental, de seu nome completo, foi um escritor e poeta português. Nasceu e morreu em Ponta Delgada (Açores).



 

quinta-feira, 14 de abril de 2016

JOÃO DE DEUS
 
 

A Cigarra e a Formiga

 

Como a cigarra o seu gosto
É levar a temporada
De Junho, Julho e Agosto
Numa cantiga pegada,
De Inverno também se come,
E então rapa frio e fome!
Um Inverno a infeliz
Chega-se à formiga e diz:
- Venho pedir-lhe o favor
De me emprestar mantimento,
Matar-me a necessidade;
Que em chegando a novidade,
Até faço um juramento,
Pago-lhe seja o que for.
Mas pergunta-lhe a formiga:
"Pois que fez durante o Estio?"
- Eu, cantar ao desafio.
"Ah cantar? Pois, minha amiga,
Quem leva o Estio a cantar,
Leva o Inverno a dançar!"
 
João de Deus

João de Deus de Nogueira Ramos (1830 —1896). Poeta português e autor da Cartilha Maternal, um método de ensino de leitura ainda hoje utilizado nos Jardins-Escola que têm o seu nome. O seu corpo encontra-se no Panteão Nacional.
 
 

 
 

quinta-feira, 7 de abril de 2016


Cesário Verde
 
 

Lágrimas

Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.

Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:

"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lagrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada."
 
José Joaquim Cesário Verde, poeta português. Nasceu em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855, onde faleceu em 19 de julho de 1886.
 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Um poema para hoje


Guerra Junqueiro
 
 
Regresso ao Lar

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?...há trinta? Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para eu me lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...
Só achei enganos, deceções, pesar...
Oh! a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago d'amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias d'astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

Canta-me cantigas, manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minh'alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve, ma vier buscar!...



                  Guerra Junqueiro
 
De seu nome completo Abílio Manuel Guerra Junqueiro,  político, deputado, jornalista, escritor e poeta português. Nasceu a 17 de setembro de 1850 em Freixo de Espada à Cinta e faleceu em Lisboa a 7 de julho de 1923.



 
 
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