domingo, 12 de junho de 2016

Aníbal José de Matos



ESPERANÇA SEM SENTIDO

 

A esperança esvai-se entre meus dedos

Acossada por medos doentio

Que me roubam o discernimento

E impedem de divisar o horizonte

Limitando espaços e ternuras.

 

Invade-me a apatia

E remorsos forçam a entrada

Remoendo entranhas e minando artérias,

Entorpecendo saudades dolorosas

E avivando feridas entreabertas.

 

Ainda sonho em sorrir

Mas um rio de lágrimas

Dilata as margens do meu pranto

E as amarras que me tolhem

Impedem que te ame e encha teu regaço de flores.

 

Sombras aprisionam réstias da esperança

Que ainda vagueava sem sentido

Estupidamente à espreita dum regato

A transformar-se num mar

Que me levasse ao calor dos teus abraços.

 

Esperança que morre de tortura

À míngua do carinho do teu seio.
 
 
An+ibal Jos+e de Matos (Figueira da Foz)

sexta-feira, 20 de maio de 2016


Miguel Torga

Portugal

Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.

E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
 
Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia da Rocha, (1907 - 1995).
Poeta e escritor português.
 

domingo, 15 de maio de 2016


Cidália Rodrigues
 


Do patamar

Do patamar da varanda
Vejo a escola onde andei,
Ponho-me a olhar…
E por entre os verdes ramos da laranjeira
Vejo o que foi o sonho…

Há Luz no recreio
Saltos e palmas, 
Que alegria
VER todas as crianças a brincar na primavera
Esquecer o frio e chuva do duro inverno
Esperar cantando o sonho da quimera.

Tantos anos passaram
E o sonho vivi,
Ponho os olhos na escola
E sonho outra vez pelo que aprendi.

Acordo do devaneio
Levantando os olhos bem alto
Vejo o azul do céu que me bafeja
Além uma andorinha,
Voando de ramo em ramo
À procura do sol quente
À procura das sementes
Para fazer o seu ninho
Mais além um limoeiro
Com seus ramos esticados
Há um cheiro a laranjeira
De laranjas doces e amarelinhas
Que belo este dia,
Em que me fraseio
À Luz do Sol quente
Em puro mês de Fevereiro

Cidália Rodrigues  (In DOS FRANCESES ATÉ À GUIA)

segunda-feira, 25 de abril de 2016

 SOPHIA DE MELLO BREYNER

 


Noite de Abril

Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera

Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.



Sophia de Mello Breyner Andresen. Poetisa portuguesa 
(1919 - 2004)
 
 

quarta-feira, 20 de abril de 2016


Carlos Carranca
 
Pesam sobre mim
 
Pesam sobre mim
séculos de silêncio e tradição
Pesam sobre mim
recordações enigmas
Pesam sobre mim
séculos de poemas
oblações paradigmas
Pesam sobre mim
esses lugares de origem
antiquíssimos eternos
subterrâneos dizem,,,
Sobre mim
na paz vingada dos mortos
Pesam séculos absortos
,,, séculos.
 
Carlos Carranca
De seu nome completo, Carlos Alberto Carranca de Oliveira e Sousa,  é natural da Figueira da Foz (Portugal), onde nasceu em 1957.
Este poema encontra-se inserido na ANTOLOGIA DE POETAS FIGUEIRENSES.

segunda-feira, 18 de abril de 2016


ANTERO DE QUENTAL
(18 de abril de 1842 - 11 de setembro de 1891)
 
 
AD AMICOS
 
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.

O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvaI e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.

Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d'um presentir divino;

Mas n'um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
 
Antero Tarquínio de Quental, de seu nome completo, foi um escritor e poeta português. Nasceu e morreu em Ponta Delgada (Açores).



 

quinta-feira, 14 de abril de 2016

JOÃO DE DEUS
 
 

A Cigarra e a Formiga

 

Como a cigarra o seu gosto
É levar a temporada
De Junho, Julho e Agosto
Numa cantiga pegada,
De Inverno também se come,
E então rapa frio e fome!
Um Inverno a infeliz
Chega-se à formiga e diz:
- Venho pedir-lhe o favor
De me emprestar mantimento,
Matar-me a necessidade;
Que em chegando a novidade,
Até faço um juramento,
Pago-lhe seja o que for.
Mas pergunta-lhe a formiga:
"Pois que fez durante o Estio?"
- Eu, cantar ao desafio.
"Ah cantar? Pois, minha amiga,
Quem leva o Estio a cantar,
Leva o Inverno a dançar!"
 
João de Deus

João de Deus de Nogueira Ramos (1830 —1896). Poeta português e autor da Cartilha Maternal, um método de ensino de leitura ainda hoje utilizado nos Jardins-Escola que têm o seu nome. O seu corpo encontra-se no Panteão Nacional.
 
 

 
 

quinta-feira, 7 de abril de 2016


Cesário Verde
 
 

Lágrimas

Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.

Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:

"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lagrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada."
 
José Joaquim Cesário Verde, poeta português. Nasceu em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855, onde faleceu em 19 de julho de 1886.
 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Um poema para hoje


Guerra Junqueiro
 
 
Regresso ao Lar

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?...há trinta? Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para eu me lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...
Só achei enganos, deceções, pesar...
Oh! a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago d'amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias d'astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

Canta-me cantigas, manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minh'alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve, ma vier buscar!...



                  Guerra Junqueiro
 
De seu nome completo Abílio Manuel Guerra Junqueiro,  político, deputado, jornalista, escritor e poeta português. Nasceu a 17 de setembro de 1850 em Freixo de Espada à Cinta e faleceu em Lisboa a 7 de julho de 1923.



 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Um poema para hoje

 


SONETO DE LA CARTA
 
Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con Ia flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.
 
El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce Ia sombra ni Ia evita.
Corazón interior no necesita
Ia miel helada que Ia luna vierte.
 
Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.
 
Llena, pues, de palabra mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche dei alma para siempre oscura.
 
Federico García Lorca, poeta e dramaturgo espanhol (1898 - 1936)
 
 
 
 

terça-feira, 29 de março de 2016

Um poema para hoje

 
Ary dos Santos




 

 
 
Ecce Homo
 
 
 
Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.
 
Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,
 
Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.
 
José Carlos Ary dos Santos, poeta português. (1937 – 1984)

segunda-feira, 28 de março de 2016

Um poema para hoje


Cecília Meireles
 
 
 

O que amamos

está sempre longe de nós


O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos - que não sabe
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor.

O que amamos está como a flor na semente,
entendido com medo e inquietude, talvez
só para em nossa morte estar durando sempre.

Como as ervas do chão, como as ondas do mar,
os acasos se vão cumprindo e vão cessando.
Mas, sem acaso, o amor límpido e exato jaz.

Não necessita nada o que em si tudo ordena:
cuja tristeza unicamente pode ser
o equívoco do tempo, os jogos da cegueira

com setas negras na escuridão.

Cecília Meireles (Cecília Benevides de Carvalho Meireles) , poetisa brasileira, natural do Rio de Janeiro, onde nasceu a
7 Nov 1901 e faleceu em 9 Nov 1964 )

sábado, 26 de março de 2016


A Morte, O Espaço,
A Eternidade

JORGE DE SENA,
em sábado de Aleluia


De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrumanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
Não foi. Quando aceitamos como natural,

dentro da ordem das coisas ou dos anjos,
o inominável fim da nossa carne; quando
ante ele nos curvamos como se ele fora
inescapável fome de infinito; quando
vontade o imaginamos de outros deuses
que são rostos de um só; quando que a dor
é um erro humano a que na dor nos damos

porque de nós se perde algo nos outros, vamos
traindo esta ascensão, esta vitória, isto
que é ser-se humano, passo a passo, mais.

A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. Somos
esse negar da espécie, esse negar do que
nos liga ainda ao Sol, à terra, às águas.
Para emergir nascemos. Contra tudo e além
de quanto seja o ser-se sempre o mesmo
que nasce e morre, nasce e morre, acaba
como uma espécie extinta de outras eras.
Para emergirmos livres foi que a morte
nos deu um medo que é nosso destino.

Tudo se fez para escapar-lhe, tudo
se imaginou para iludi-la, tudo
até coragem, desapego, amor,
tudo para que a morte fosse natural.

Não é. Como, se o fôra, há tantos milhões de anos
a conhecemos, a sofremos, a vivemos,
e mesmo assassinando a não queremos?
Como nunca ninguém a recebeu
senão cansado de viver? Como a ninguém

sequer é concebível para quem lhe seja
um ente amado, um ser diverso, um corpo
que mais amamos que a nós próprios? Como
será que os animais, junto de nós,
a mostram na amargura de um olhar
que lânguido esmorece rebelado?

E desde sempre se morreu. Que prova?
Morrem os astros, porque acabam. Morre
tudo o que acaba, diz-se. Mas que prova?
Só prova que se morre de universo pouco,

do pouco de universo conquistado.

Não há limites para a Vida. Não
aquela que de um salto se formou
lá onde um dia alguns cristais comeram;
nem bem aquela que, animal ou planta,
foi sendo pelo mundo este morrer constante
de vidas que outras vidas alimentam
para que novas vidas surjam que
como primárias células se absorvam.
A Vida Humana, sim, a respirada,
suada, segregada, circulada,
a que é excremento e sangue, a que é semente
e é gozo e é dor e pele que palpita
ligeiramente fria sob ardentes dedos.
Não há limites para ela. É uma injustiça

que sempre se morresse, quando agora
de tanto que matava se não morre.
É o pouco de universo a que se agarram,
para morrer, os que possuem tudo.
O pouco que não basta e que nos mata,
quando como ele a Vida não se amplia,
e é como a pele do ónagro, que se encolhe,
retráctil e submissa, conformada.
É uma injustiça a morte. É cobardia
que alguém a aceite resignadamente.
O estado natural é complacência eterna,
é uma traição ao medo por que somos,
áquilo que nos cabe: ser o espírito

sempre mais vasto do Universo infindo.

O Sol, a Via Láctea, as nebulosas,
teremos e veremos até que
a Vida seja de imortais que somos
no instante em que da morte nos soltamos.
A Morte é deste mundo em que o pecado,
a queda, a falta originária, o mal
é aceitar seja o que for, rendidos.

E Deus não quer que nós, nenhum de nós,
nenhum aceite nada. Ele espera,
como um juiz na meta da corrida

torcendo as mãos de desespero e angústia,
porque nada pode fazer nada e vê
que os corredores desistem, se acomodam,
ou vão tombar exaustos no caminho.
De nós se acresce ele mesmo que será
o espírito que formos, o saber e a força.
Não é nos braços dele que repousamos,
mas ele se encontrará nos nossos braços
quando chegarmos mais além do que ele.
Não nos aguarda – a mim, a ti, a quem amaste,
a quem te amou, a quem te deu o ser –
não nos aguarda, não. Por cada morte
a que nos entregamos ele se vê roubado,
roído pelos ratos do demónio,
o homem natural que aceita a morte,
a natureza que de morte é feita.

Quando a hora chegar em que já tudo
na terra foi humano — carne e sangue —,
não haverá quem sopre nas trombetas
clamando o globo a um corpo só, informe,
um só desejo, um só amor, um sexo.
Fechados sobre a terra, ela nos sendo
e sendo ela nós todos, a ressurreição
é morte desse Deus que nos espera
para espírito seu e carne do Universo.
Para emergir nascemos. O pavor nos traça
este destino claramente visto:
podem os mundos acabar, que a Vida,
voando nos espaços, outros mundos,
há-de encontrar em que se continui.
E, quando o infinito não mais fosse,
e o encontro houvesse de um limite dele,
a Vida com seus punhos levá-lo-á na frente,
para que em Espaço caiba a Eternidade
.


JORGE DE SENA, Assis, 1 de Abril de 1961, sábado de Aleluia
 
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