quinta-feira, 30 de julho de 2009

Miguel Torga

Poema Melancólico a não sei que Mulher

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram.
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido.
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão.

Miguel Torga


Escritor português natural, de São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, Vila Real, onde nasceu a 12 de Agosto de 1907, faleceu em 17 de Janeiro de 1995. De seu nome completo Adolfo Correia da Rocha, adoptou o pseudónimo de Miguel Torga (Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica:
Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno. Torga é uma planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule incrivelmente rectilíneo. A sua campa rasa em São Martinho de Anta tem uma torga plantada a seu lado, em honra ao poeta.
Proveniente de uma família humilde, teve uma infância rural dura, que lhe deu a conhecer a realidade do campo, sem bucolismos, feita de árduo trabalho contínuo. Após uma breve passagem pelo seminário de Lamego, emigrou com 13 anos para o Brasil, onde durante cinco anos trabalhou na fazenda de um tio, em Minas Gerais, como capinador, apanhador de café, vaqueiro e caçador de cobras. De regresso a Portugal, em 1925, concluiu o ensino liceal e frequentou em Coimbra o curso de Medicina, que terminou em 1933. Exerceu a profissão de médico em São Martinho de Anta e em outras localidades do país, fixando-se definitivamente em Coimbra, como otorrinolaringologista, em 1941.



terça-feira, 28 de julho de 2009

Camões, grande Camões

Camões
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Pátria, querida pátria, se algum dia,
tu, que altiva já foste grande e nobre,
o teu baixel d’encontro à penedia
da sórdida cobiça, enfim soçobre,

calquem-te, embora, ó pátria, os verdes louros,
teu nome surgirá grande, imortal,
que o canto de Camões há-de aos vindouros
bradar contínuo: aqui foi Portugal!

Maximiano Ricca (autor de Lyricas – 1903), in "Camões, grande Camões...", livro cuja capa reproduz um quadro da autoria do figueirense António Augusto Menano.
Trata-se duma obra editada pela UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, com introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho, de que possuo um exemplar oferecido no Natal de 2004, pelo autor (António Augusto Menano) das ilustrações que compõem o livro, cuja primeira edição data de 10 de Junho de 2002.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Victor Hugo

O Homem e a Mulher

O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.

Deus fez para o homem um trono.
Para a mulher, um altar.
O trono exalta.
O altar santifica.

O homem é o cérebro; a mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz; o coração produz Amor.
A luz fecunda.
O Amor ressuscita.

O homem é forte pela razão.
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence.
As lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos.
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece.
O martírio sublima.

O homem tem a supremacia.
A mulher, a preferência.
A supremacia significa a força.
A preferência representa o direito.

O homem é um génio; a mulher, um anjo.
O génio é imensurável; o anjo, indefinível.
Contempla-se o infinito.
Admira-se o inefável.

A aspiração do homem é a suprema glória.
A aspiração da mulher é a virtude extrema.
A glória faz tudo grande.
A virtude faz tudo divino.

O homem é um código.
A mulher, um evangelho.
O código corrige.
O evangelho aperfeiçoa.

O homem pensa.
A mulher sonha.
Pensar é ter no crânio uma larva.
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano.
A mulher um lago.
O oceano tem a pérola que adorna.
O lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa.
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço.
Cantar é conquistar a alma.

O homem é um templo.
A mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos.
Ante o sacrário nos ajoelhamos.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra.
E a mulher onde começa o céu.

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Victor Hugo
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Victor Hugo, poeta, romancista e dramaturgo (1802-1885), é considerado o mais notável escritor romântico francês.
Autor, entre outras obras, de Nossa Senhora de Paris e Os Miseráveis.

sexta-feira, 17 de julho de 2009


Olhei para o espelho e vi-me só.
A minha solidão reflectiu-se
Neste pedaço de vidro transparente.
Mas , afinal, que vejo eu?
Não é um espelho, é uma parede
Que me faz ficar mais só, mais isolado.
Já nem a mim me vejo.
Não solidifiquei nem liquefiz,
Mas já nem a minha sombra me dá amparo.
Porque o Sol quer fugir da minha vida.
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Mas ainda acredito no alívio
De que volto a viver os que vivi.
... E então não estarei só.
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Aníbal José de Matos (do livro em construção "TANTOS ANOS"

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dylan Thomas

A MÃO AO ASSINAR ESTE PAPEL
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A mão ao assinar este papel arrasou uma cidade;

cinco dedos soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração;
duplicaram o globo dos mortos e reduziram a metade um país;

estes cinco reis levaram a morte a um rei.

A mão soberana chega até um ombro descaído
e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo gesso;
uma pena de ganso serviu para pôr fim à morte
que pôs fim às palavras.

A mão ao assinar o tratado fez nascer a febre,
e cresceu a fome, e todas as pragas vieram;
maior se torna a mão que estende
o seu domínio sobre o homem por ter escrito um nome.

Os cinco reis contam os mortos
mas não acalmam a ferida que está cicatrizada,
nem acariciam a fronte;

há mãos que governam a piedade como outras o céu;
mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar.
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Dylan Thomas
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(tradução: Fernando Guimarães)
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"Dylan Marlais Thomas nasceu em Swansea, no País de Gales, a 27 de outubro de 1914. Considerado um dos maiores poetas do século XX em língua inglesa, juntamente com W.Carlos Williams, Wallace Stevens, T.S. Eliot e W.B. Yeats.
Dylan Thomas teve uma vida muito curta, devido a exagerada boémia que o levou ao fim de seus dias aos 39 anos, mas ainda teve tempo de nos deixar um legado poético que o tornou um dos maiores influenciadores de toda uma geração de escritores."
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Ontem, tive a feliz oportunidade de assistir, no CAE da Figueira da Foz, ao filme "No Limite do Amor", realizado por John Maybury, uma película que assenta em notas biográficas do poeta. "O filme descreve a sua vida, mas sobretudo a complexa relação de amor e ódio com a sua esposa Caitlin, a amiga de infância Vera Philips e o marido desta, William Killick".

sábado, 4 de julho de 2009

ANTÓNIO NOBRE

Aqui, sobre estas águas cor de azeite,
cismo em meu Lar, na paz que lá havia:
Carlota, à noite, ia ver se eu dormia
e vinha. de manhã, trazer-me o leite.

Aqui, não tenho um únito deleite!
Talvez-... baixando. em breve, à Água fria,
sem um beijo, sem uma Avé-Maria,
Sem uma flor, sem o menor enfeite!

Ah pudesse eu voltar à minha infância!
Lar adorado, em fumos, a distância,
ao pé de minha Irmã, vendo-a bordar;

Minha velha Aia! Conta-me essa história
que principiava, tenho-a na memória,
"Era uma vez..."
Ah deixem-me chorar!
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António Nobre
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António Pereira Nobre, nascido no Porto em 16 de Agosto de 1867 e falecido na Foz do Douro (Porto), em 18 de Março de 1900, apenas com 32 anos), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, "Só" (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas.
Apesar da sua produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da sua infância junto do povo nortenho. Faleceu com apenas 32 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose.
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Fonte: Wikipédia

Manuel Guimarães

Ó Santa dos meus olhos, que partiste,
O teu menino aqui te vem contar
A sua mágoa imensa de ser triste
E já não ter ninguém por quem chamar.

Andam p’ra aí as horas que remiste
Como apagadas velas de um altar,
E no lugar de bem donde saíste
Vivem mágoas de anjos a magoar.

E a balada dos anjos, a abalada
Minha sombra de ti, me deixa traços
E fala dos teus olhos… madrugada

Que eu hei-de ver na esteira dos meus passos:
Não ande aí, ceguinho, pela estrada,
Noite de trevas, estendendo os braços.

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Manuel Guimarães (do livro MEU SABOR DE MENINO, dedicado a sua mãe, em 1974).
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Manuel de Jesus Ferreira Guimarães, nasceu na Figueira da Foz em 12 de Agosto de 1916, falecendo em Lisboa a 19 de Outubro de 1992.
A propósito do poeta, escreveu António de Sousa Freitas: “Manuel Guimarães nasceu na Figueira da Foz, onde o movimento das ondas é escutado como canção que se desprende e ecoa por toda a cidade numa melopeia constante e cheia de ritmo e saudade. Estudou em Coimbra onde a tradição não é palavra vã e a nostalgia permanece num lirismo quente a insinuar-se na realidade das horas e dos anos. Assim, a poesia de Manuel Guimarães não podia evadir-se a estes desígnios. E quando se evade é naturalmente humana, afável, vagamente dolorosa, real.”
 
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