quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Olhos castanhos

Invade-me o vazio,
a nostalgia traz consigo o cinzento
das manhãs envoltas em silêncio.
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Os dias arrastam-se
no limiar das noites doentias...
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Apenas uns olhos castanhos,
reflectindo a imagem da saudade,
me amparam e dão coragem p'ra seguir.
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A.J.M.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ernesto Tomé

As minhas para contigo
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9.ª carta
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Nesta hora de agonia, ao sol morrente,
sem versos, sem ternura, sem paixão,
eu vou-te confessar, sinceramente,
o que sente o meu pobre coração...
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Nem palavras em brasa, nem nenhuma
comoção, apesar de te perder,
e neste triste desamor sinto uma
vontade incompreendida de esquecer...
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Morreu-me a crença, aquela velha crença,
cheia de enlevo pelos teus encantos,
e o riso alegre, claro, de nascença,
que desfazia em graça os meus quebrantos...
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Andas perdida, há muito, nos rodeios
dum grande amor que em tempos nos prendeu,
velho amor feito de almas e receios,
que eu nem me lembro já como nasceu!
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Quero prender-te, amar-te como então,
enternecer-te com palavras mansas,
mas sinto regelado o coração
e uma apatia própria das crianças!
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Exiges que te explique porque não
levo uma vida cálida e febril,
como se tu soubesses a razão
porque morrem as rosas em Abril...
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Nem os teus olhos já me são queridos,
olhos cheios de mágoas sufocadas,
esses teus olhos tão entristecidos
por tantíssimas lágrimas choradas...
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Passas por mim, e eu vejo-te passar
sem ter a mais pequena comoção,
nem sinto tentações de te apertar,
como outrora, de encontro ao coração!
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Inverno... Vê lá tu, nem já com prantos
tu me convences ou me sobressaltas,
e o teu sangue fremente de quebrantos
mais intumesce as tuas veias altas...
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Inverno aberto sobre as nossas almas,
sem versos, sem ternuras, sem paixão,
damos as mãos, assim, palmas com palmas,
e nem te sinto já no coração!
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Ernesto Ferreira Gomes Tomé, nasceu em Santana, Figueira da Foz, em 31 de Maio de 1894, e faleceu em S. Tomé a 25 de Outubro de 1975.
Campeão nacional de remo, pelo Ginásio Clube Figueirense, foi desportista que se bateu em várias frentes do desporto figueirense
Foi director de várias publicações figueirenses, foi presidente da Comissão Municipal de Turismo da Figueira da Foz e director do Grande Casino Peninsular, professor da Escola Industrial e Comercial da Figueira da Foz onde leccionou português, francês, aritmética, geografia, escrituração e contabilidade.
Foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Aviz.
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Escreveu, entre outras obras, além de "As minhas para contigo", de 1949, Romantismo (1915), Feixe de Sonhos, Livro do Desencanto, Legendas, Poeira de Palavras, Ilha de S. Miguel, 100 pingos de tinta, Prontuário do Código Civil e Legislação, Duas revoluções, Monografia do Batalhão de Metralhadoras n.º 2. A Educação física pelo escotismo, Um método de educação física, Como se deve remar, O desporto do remo, Ginástica para velhos, Não se deve fazer ginástica..., Exercícios escolares e horários escolares, Cartilha do condutor militar de automóveis e Base gerais para um método de treino no remo.
Foi uma figura de relevo no meio figueirense.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pires de Azevedo

Apoteose
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Maré alta:
Sol e Gente
Mar e Gente,
Areia e Gente.
Gente e Gente...
Maré alta!
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Para Norte, a Serra, lagarto estendido,
cinzento-esverdeado, de focinho comprido
lançado nas águas,
a deitar fundos e mágoas,
a exalar névoas e mágoas...
Para Sul, o Forte, herói do passado,
vítima do limite de idade, reformado,
mas a teimar, ainda, ser prestável,
a tentar sobreviver, presidindo, muito amável,
a quem passa na Barra, como um velho arrumador
de carros, que se julga de extrema utilidade
e, afinal, se mantém só por favor
de uma era que não tem olhos para a antiguidade...
A Praia, lua que vai para quarto-crescente,
dorme, neste regaço aconchegada,
entre as ondas meigas e a fita negra da estrada...
E Gente, e Gente, e Gente!...
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--- "Rainha das Praias", porquê? Gomo de areia,
o que te faz rainha?...
--- Uma Lua mais cheia
ou um Sol mais vivo? Um Mar levemente ondeante,
meigo como figura suave de mulher?
Maior riqueza de cores, na água palpitante
de vida , ou no céu? Um Fortim a envelhecer
e a ruminar glórias passadas? Um Porto,
quase morto, ou um Hotel que é um mundo de conforto?
As traineiras, adormecidas, à tardinha,
na Baía amena?...
--- O que te faz rainha?...
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--- Tudo isso?
Sem dúvidas que sim! Mas isso
que seria, sem este outro Mar de Humanidade,
vário, monstruoso, sublime, contrastante,
que em ti vive, dia a dia, e que semeia,
nas tuas ondas, no teu ar, na tua areia,
o Bem e o Mal; que sonha, e pensa, e sente,
e vive, na miséria e na grandeza?...
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---Figueira, quem te deu a realeza?
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--- Mar-cheia de Gente, e Gente, e Gente!...
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José Pires Lopes de Azevedo, era natural da Redinha (Pombal), onde nasceu em 23 de Novembro de 1923.
Era licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, e portador ainda de cursos de Ciências Pedagógicas e de Bibliotecas e Arquivos.
Na Figueira da Foz dirigiu o extinto Colégio de Santa Catarina, tendo-se aposentado, como professor, na Escola Secundária Doutor Joaquim de Carvalho.
Faleceu na Figueira da Foz a 6 de Agosto de 2007.

sábado, 22 de novembro de 2008

António Moreira Fonseca


Nómada
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Um homem só, não tem assento obrigatório.
Cativa, firme, só a sua solidão.
Por isso parte e busca qualquer chão
onde o viver é apenas transitório.
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Se o assumir-se só é meritório
e lhe transmite paz, libertação,
a dor que lhe macera o coração,
de assim viver, é farto tormentório.
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Um homem só em qualquer parte vive.
A sonhada companhia que não tive
- decerto por não ter merecimento
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de tão fugaz em névoa se esfumou.
E me quedo, homem só, tal como sou:
- Nómada sonhador vagando ao vento.
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Do livro "Alguns Sonetos" - 1994.
António Moreira Fonseca nasceu na Quinta da Esperança - Tavarede (Figueira da Foz), a 16 de Julho de 1953, aprendendo as primeiras letras no Patronato de S. Miguel.
O gosto pela leitura e pelas artes, nasceu do Teatro de Tavarede e "do seu grande pilar", José da Silva Ribeiro, com quem privou até à data da sua morte."

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Luís Vaz de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
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Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
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O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
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E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
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É pouco o que se sabe de Luís Vaz de Camões, e esse pouco é, ainda assim e na maioria dos casos, duvidoso. Terá nascido em Lisboa por volta de 1524, de uma família do Norte (Chaves), mas isto não é certo. Quem defende esta tese atribui-lhe como pai Simão Vaz de Camões e como mãe Anna de Sá e Macedo. Por via paterna, Camões seria trineto do trovador galego Vasco Pires de Camões, e por via materna, seria aparentado com o navegador Vasco da Gama.Viveu algum tempo em Coimbra onde terá frequentado aulas de Humanidades, talvez no Mosteiro de Santa Cruz, já que aí tinha um tio padre. No entanto, embora a existência desse tio, D. Bento de Camões, esteja documentada, não há qualquer registo da passagem do poeta por Coimbra. Em algum lado, afirmam os estudiosos da sua vida, terá adquirido a grande bagagem cultural que nas suas obras demonstra possuir.
Pobre e doente, conseguiu publicar Os Lusíadas em 1572 graças à influência de alguns amigos junto do Rei D. Sebastião. Mas até a publicação de Os Lusíadas está envolta num pequeno mistério - há duas edições do mesmo ano e não se sabe qual foi a primeira. Em recompensa dos serviços prestados à pátria, o Rei concede-lhe uma modesta pensão, mas mesmo essa será sempre paga tarde e a más horas e não salva o poeta da extrema pobreza.
Faleceu em Lisboa no dia 10 de Junho de 1580 e foi sepultado a expensas de um amigo. O seu túmulo, que teria sido na cerca do Convento de Sant'Ana, em Lisboa, perdeu-se com o terramoto de 1755, pelo que se ignora o paradeiro dos restos mortais do poeta, que não está sepultado em nenhum dos dois túmulos oficiais que hoje lhe são dedicados – um no Mosteiro dos Jerónimos e outro no Panteão Nacional. É considerado o maior poeta português, situando-se a sua obra entre o Classicismo e o Maneirismo. Alguns dos seus sonetos, como o conhecido Amor é fogo que arde sem se ver, pela ousada utilização dos paradoxos, prenunciam já o Barroco que se aproximava.
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In "Rua da Poesia"

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Fernanda Fernandes Figueiredo

Outono
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Andam nos ares sons indefinidos
E os poentes tingem-se de sangue
Ligeira a brisa traz-nos os ruídos
Da terra seca, torturada e exangue
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Cortam o céu em loucas revoadas
As aves inquietas pipilando
Seu instinto que as põe alvoraçadas
Pressente já que o frio vai chegando
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Queimadas, turbilhonam sem cessar
Obedecendo às leis da mãe-natura
As folhas num conformado abandono
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E nós, quedos, ficamos a olhar
Pensando que bem cedo há-de chegar
P'ra nós também, um dia, o triste Outono
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Fernanda Fernandes Figueiredo, do livro "Ao sabor de ventos e marés" (Dezembro de 2002).
Natural da Figueira da Foz (freguesia de Tavarede), nasceu a 13 de Fevereiro de 1930.


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

António Santos Silva

Silêncio
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O meu silêncio
Não é de ausência
Nem de morte.
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Ainda vive,
Ainda sonha com voos livres,
Ainda treina gorjeios
A ave no meu peito.
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O meu silêncio
É a raiva e o enjoo
De todas as palavras em que me atraiçoei.
Dos sorrisos e gestos
Que se evadiram de mim, como vadios,
Sob os meus olhos flácidos.
Das coisas que perfilhei
E não eram do meu sangue.
Dos versos que resvalaram,
Preguiçosos e mornos,
Sem atingir o cerne.
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O meu silêncio é o deserto,
Onde me exilo e me depuro.
Poema mudo
De honestidade.
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António Santos Silva, em "Diagrama da Esperança", 1973.
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Autor de, entre outras obras, "Figueira da Minha Infância", "Os Pontos nos Is", "Diagrama da Esperança", "Beethoven, um apelo à fraternidade", "Musa dos Cinquent'anos" e "Agradecimento à Poesia".
Premiado em Jogos Florais.
Foi Chefe dos Serviços de Águas e Director dos Serviços Municipalizados da Figueira da Foz.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

António Augusto Menano

A Noite das Cidades
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Repousa nas mãos o sangue pronto
a libertar o cântico exigente,
aqui nada é tão de aço como o ódio
e o homem crucificado
mente.
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Repousa o sangue
alongando a cor
ao choro que unicamente
a noite abraçada à lua
consente.
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E dentro desta noite igual a tantas outras
existem bocas tristes que não cantam
e alongam, amigas,
a lição das aves suicidas
que à gaiola preferem a morte
revoltada.
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Aves diariamente insignificantes
(diárias como tudo o que é simples)
que repousam nas mãos o sangue pronto
a correr,
vermelho pelas ruas da cidade.
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António Augusto Menano, natural da Figueira da Foz, onde nasceu a 6 de Maio de 1937.
Do livro "Tempo Vivo", de 1963.

Boa Noite

Neste canto vou dar voz a poetas, transmitindo, naturalmente, poesia.
Vou transcrever poesia de poetas conhecidos, doutros nem tanto, de poetas antigos e actuais, composições sobre a arte da palavra, falar de tantos que em versos ritmados, com ou sem rima, têm cantado a vida, a natureza.
É uma forma de separação de águas, criar um espaço onde só tenha lugar a palavra cantada, que até agora se misturava no "PRESENTE".
Obrigado pela vossa visita.
Este espaço está ainda em construção, mas vai surgir a todo o momento.
Até já.
 
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