sábado, 27 de dezembro de 2008

Tantos anos...

Tantos anos… desenganos,
Que a vida nos destinou!
Separou-nos à nascença
E não mais nos encontrou.
Cruzámos nossos caminhos!
Disseste que era o destino,
Numa noite como esta,
Que nos fez perder o tino.
Mas a vida prosseguiu
Semeando saudades,
E de manhã acordámos
Chorando nossas verdades.
Tu és tu, mas eu não sou
Aquele que conheceste.
Pediste tanto e agora
Eu já nem sei se morreste.
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Aníbal José de Matos

Dezembro de 2008
(Do livro em preparação, "TANTOS ANOS...")

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Porque hoje é DIA DE NATAL


Porque hoje é DIA DE NATAL

NATAL, NATAL, QUEM ME DERA
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Natal, Natal! Quem me dera
Que não fosse vã quimera,
Não viver santa alegria
No ano somente um dia!
Mas que houvesse eternamente
Um Natal em toda a gente.
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Natal, Natal, quem me dera!
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Aníbal José de Matos em "CONFLITOS"

domingo, 14 de dezembro de 2008

Corre

Corre,
Não recuses os bens que te ofertaram
Não desdenhes pelo mal que te fizeram
Mão sofras por não obedecerem
Às leis que teu ser lhes foi ditando
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Corre
Não queiras desmoronado
O insólito edifício que fizeste
Não critiques os sonhos imperfeitos
E as próprias mentiras que escutaste
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Corre
Não receies os ecos importunos
De atitudes menos comedidas
Não queiras cerrar esses teus braços
À construção do mundo que sonhaste
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Corre
Não descubras falsos arco-íris
Nem pretendas verdade a corpo inteiro
Evita revelar as frustrações
Dos momentos em que foste menos certo
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Corre
Segura bem a cruz que te legaram
Como enxada que vai beijando a terra
Mostra o suor da tua própria alma
Feliz por algo edificar.
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Corre a dizer ao mundo que és alguém
Corre entoando hinos de louvor
Corre, corre dizendo que ganhaste
Corre mostrando com orgulho as tuas mãos
.
Corre em paz na paz que construiste.
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Corre!
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Aníbal José de Matos, in ESPERANÇAS (Edição da Câmara Municipal da Figueira da Foz - 1982)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Mariano Goulart

À FIGUEIRA
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Figueira, como eu te adoro!
Figueira, terra de encanto!
Só tu ouviste meu choro,
Só tu escutaste meu pranto.
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Tristezas que tenho tido
Aí as vou acabar,
Pois só tu, oh canto querido,
É que as sabes abafar.
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Como és bela e quão formos
É o Mondego a brilhar,
Figueira, terra de gozo,
Eu não te queria deixar.
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A tua areia branquinha
Onde o sol reflecte a luz,
Onde se põe à tardinha,
Como é bela e me seduz!
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Figueira, hei-de ser forte
E dos fortes sigo o trilho;
Só me separará a morte,
Tenho-te amor, sou teu filho.
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António Mariano da Cunha Goulart, nascido na Figueira da Foz em 3 de Fevereiro de 1899, faleceu, por afogamento, num acidente de barco, na Vala da Ereira (Montemor-o-Velho), em 7 de Abril de 1926.
Acompanhavam-no na embarcação, sua companheira e a irmã, e o mecânico António Torres, que sobreviveram ao acidente no Mondego, esse Mondego que Mariano Goulart tanto cantou.
Foi presidente da direcção do Sporting Clube Figueirense, a cuja sala de leitura foi dado o seu nome, e atleta distinto, praticanto várias modalidades.
Era licenciado em Direito e exerceu a advocacia.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Cântico Negro

José Régio
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"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
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A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.
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Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
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Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...



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Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
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Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
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Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
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Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
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Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
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Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.
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José Régio
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José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira nasceu em Vila do Conde a 17 de Setembro de 1901, onde faleceu em 22 de Dezembro de 1969, foi um escritor português, que viveu grande parte da sua vida na cidade de Portalegre (de 1928 a 1967).

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Apelo

Betoneiras, guindastes, parapeitos
em janelas, nesgas descuidadas...
Escadas erradas, de serviço, sol que não domina
a núvem atrevida que não passa!
Paralelepídos destroçados de pés que vão descalços,
feridos, contorcidos, doloridos,
fugidos à polícia que os persegue
agarrada à postura que não permite pés despidos de sapatos...
mas não contém uma cláusula de auxílio p´r'ós calçar...
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Betoneiras que amassam o cimento
da cidade perdida no abismo
de milhões de vícios, de drogas, de negra podridão...
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Guindastes que sobem às alturas
das misérias que todos pressentimos!
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É proibido cuspir para o chão
... onde até os que proibem cospem mesmo...
É preciso trabalho, projectem-se organigramas
que controlem betoneiras
e conduzam os guindastes à alturas ideais...
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Que calcem os descalços
e eduquem os que conspurcam o chão desta cidade!
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Aníbal José de Matos
 
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