quinta-feira, 27 de maio de 2010

Aníbal José de Matos

Mais além

O sofrimento faz parte integrante duma vida,
A alegria é um acidente na caminhada
Em direcção a um horizonte perdido.
As lágrimas são o escape
De quase permanente chamamento
Aos degraus das intermitências.

A vida é um bem ou mal que se adquire
Sem que contribuamos para tal,
Mas exige que cumpramos
As determinantes de linhas traçadas.
Viver é julgarmos que existimos
Como se nada existisse para depois.

Caminhar é seguir passos conseguidos
De quem vê muito mais além.

Aníbal José de Matos, 27-Maio-2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

D e c l i v e

Atropelos,
Atropelantes,
Atropelados.
Vida de mil falhas,
Caminhos distorcidos,
Percursos sinuosos
Onde força vale mais do que a razão.

Desapego,
Desaforo,
Desafio.
Contra a corrente proliferam
Vontades sem vontade
De alterar o curso
Das mentiras.

Ver mais além
Cega quem privilegia a escuridão!

Aníbal José de Matos, 26/Maio/2010

Da Costa e Silva


A aranha

Num ângulo do tecto, ágil e astuta, a aranha,
Sobre invisível tear tecendo a ténue teia,
Arma o artístico ardil em que as moscas apanha
E, insidiosa e subtil, os insectos enleia.

Faz do fluido que flui das entranhas a estranha
E fina trama ideal de seda que a rodeia,
E, alargando o aranhol, os elos emaranha
Do alvo disco nupcial, que a luz do sol prateia.

Em flóculos de espuma urde, borda e desenha
O arabesco fatal, onde os palpos apoia
E, tenaz, a caçar os insectos se empenha.

Vive, mata e produz, nessa faina enfadonha:
E, o fascinante olhar a arder como uma jóia,
Morre na própria teia, onde trabalha e sonha.

Da Costa e Silva

António Francisco da Costa e Silva, de seu nome completo, nasceu em Amarante, Piauí (Brasil), em 29 de Novembro de 1885 e faleceu no Rio de Janeiro em 29 de Junho de 1950.
Era licenciado em Direito e publicou, entre outras obras, SANGUE, ZODÍACO, PANDORA, ANTOLOGIA e POESIAS COMPLETAS.

sábado, 22 de maio de 2010

Incertezas


Queria fazer-te um poema
Mas quedei-me nas incertezas.
Queria sorrir
Mas os lábios impugnaram a intenção.
Queria cantar-te em voz alta
Mas sobrepôs-se a envolvência do silêncio!

Quis abraçar-te
Mas fiquei imóvel
Com receio de que te risses.
Resta-me sonhar
Que o meu peito se envolveu
Na carícia dos teus seios.


Aníbal José de Matos (22.5.2010)

terça-feira, 18 de maio de 2010

ERNESTO TOMÉ


Carta do meu enlevo

Num perturbado e doce enlevo,
A ti, que és linda e frágil como as rosas,
Enternecido, apaixonado, eu escrevo
Esta carta de páginas nervosas…

Com modos até hoje inconfessados,
Vou confessar-te, numa exaltação,
Os versos para ti arquitectados,
E guardados, Amor, no coração…

Desde que nós, Amor, nos conhecemos,
Jamais um mau-olhado se trocou,
E com loucura, assim, nós aprendemos
A amar, como jamais alguém amou…

Depois, todos os sonhos que sonhámos,
Ansiosos de paixão, ansiosamente,
E os beijos, meu Amor que desejámos,
Sempre foram vividos, febrilmente…

…Vamos cantar a vida à nossa roda,
Bebê-la a longos sorvos, com paixão:
- que um beijo nosso sinta a vida toda
Dentro do nosso próprio coração…

Se a vida é para muitos entristada,
Assim, dum baço tom d’entardecer,
- nós, p’ra nós, a faremos desejada
De amor e de desejos de viver…

Ernesto Tomé

Ernesto Ferreira Gomes Tomé, nasceu em Santana (Figueira da Foz), em 31 de Maio de 1894, e morreu na Ilha de S. Tomé, em 25 de Outubro de 1975.
É difícil descrever toda a sua actividade nos mais diversos ramos. Desportista (campeão nacional de remo, nadador, instrutor de boxe), director de várias publicações locais e colaborador de jornais nacionais, foi escritor, poeta e autor de diversas obras em áreas como teatro e desporto.
Foi presidente da Comissão Municipal de Turismo da Figueira da Foz, presidente interino da Câmara Municipal e director do Grande Casino Peninsular (hoje Casino da Figueira), onde promoveu imensos eventos de relevo especialmente durante a época balnear.
Foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Avis.

Este livro vai ser lançado no próximo dia 12 de Junho, pelas 18 horas, no auditório municipal (edifício do museu e biblioteca municipais) da Figueira da Foz.
Estão todos convidados.
Dêem-me o prazer da vossa comparência!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pablo Neruda


Oda a la tristeza

Tristeza, escarabajo
de siete patas rotas,
huevo de telaraña,
rata descalabrada,
esqueleto de perra:
Aquí no entras.
No pasa.
Ándate.
Vuelve
al sur con tu paraguas,
vuelve
al norte con tus dientes de culebra.
Aquí vive un poeta.
La tristeza no puede
entrar por estas puertas.
Por las ventanas
entra el aire del mundo,
las rojas rosas nuevas,
las banderas bordadas
del pueblo y sus victoria.
No puedes.
Aquí no entras.
Sacude
tus alas de murciélago,
yo pisaré las plumas
que caen de tu mano,
yo barreré los trozos
de tu cadáver hacia
las cuatro puntas del viento,
yo te torceré el cuello,
te coseré los ojos,
cortaré tu mortaja
y enterraré, tristeza, tus huesos roedores
bajo la primavera de un manzano.
Cuando yo muera quiero tus manos en mis ojos:
quiero la luz y el trigo de tus manos amadas
pasar una vez más sobre mí su frescura:
sentir la suavidad que cambió mi destino.
Quiero que vivas mientras yo, dormido, te espero,
quiero que tus oídos sigan oyendo el viento,
que huelas el aroma del mar que amamos juntos
y que sigas pisando la arena que pisamos.

Quiero que lo que amo siga vivo
y a ti te amé y canté sobre todas las cosas,
por eso sigue tú floreciendo, florida,

para que alcances todo lo que mi amor te ordena,
para que se pasee mi sombra por tu pelo,
para que así conozcan la razón de mi canto

Pablo Neruda

Pablo Neruda (Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto), nasceu em Parral (Chile), em 12 de Julho de 1904, e morreu em Santiago (Chile) a 23 de Setembro de 1973.
Poeta, escritor, autor dramático e lutador político, escreveu, entre muitas outras obras, Memorial de Isla Negra, Arte de pájaros, Fulgor y muerte de Joaquín Murieta, La Barcaola, Las manos del dia, Fin del mundo, Maremoto, La espada encendida, Discurso de Stockholm, Invitación al Nixonicidio y alabanza de la revolución chilena, Libro de las preguntas, Jardín de invierno e Confieso que he vivido.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Lucía Serrano


INFINITO ESPACIO ESCINDIDO

Intento recoger el misterio
de este paisaje mustio,
este sitio inhabitable,
estas pisadas de nadie
atrayendo en oscuridades
la magia de los infiernos.
Estalla mi último amor
entre las piedras,
hay códigos secretos
en cada esquina,
la imaginación hace trampas.
Se perdieron las líneas cotidianas
y los arbustos mojados por la lluvia
suspendieron mis ojos,
apaciguando al caer
todos los tiempos.
Infinito espacio escindido.

Lucía Serrano (Buenos Aires - Argentina )
.
Nota: Obrigado por seguir este blogue. Saudações para a Argentina.

domingo, 9 de maio de 2010

Dia das Mães



Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 8 de maio de 2010

João de Barros



AQUELE MAR

Aquele mar da minha infância,
bom camarada e meu irmão
a sua voz, o seu olor, sua fragrância
tanto os ouvi e respirei
que trago em mim o seu largo ritmo,
seu ritmo forte,
como se as praias onde espuma
quase me fossem
praias sem fim dentro de mim
ocultas praias, largas praias
do tumultuoso coração…

Aquele mar
meu confidente de horas idas
tudo escutava e adivinhava
do meu pueril e ingénuo anseio.
Nada sonhei que o não dissesse
– frémito de alma, grito ou prece –,
às madrugadas e aos poentes,
ao sol, às nuvens, ao luar,
ora nascendo, ora morrendo
nos longos, longos horizontes
em que se perdia o meu olhar…

Aquele mar
na calma azul, no temporal,
nunca mentia: era um só beijo,
hálito puro, largo harpejo
que me entendia e respondia
no seu inquieto marulhar…
Moço e menino, solitário,
rochas, falésias, areais
eu coroava-os de alegria
nos meus passeios matinais.
Ou nalgum barco pescador,
velas abrindo a todo o pano,
do oceano então era senhor,
largava a escota, navegava,
no vão desejo de aventuras,
que não chegava a realizar…
Mas era meu, e eu pertencia-lhe,
àquele mar,
era seu filho, escravo e dono,
sorria à sua Primavera,
amava a luz do seu Outono,
o vivo lume dos estios
a violência dos Invernos
longos clamores de temporais.
Aflito voo das gaivotas
junto das negras penedias,
também como ele me perdias,
nas tardes tristes e sombrias,
na bruma gélida das noites…
E a eternidade então ouvia
humano sonho sempre esquecido
na eterna voz que fala o mar.

João de Barros


João de Barros nasceu na Figueira da Foz em 4 de Fevereiro de 1881, e faleceu em Lisboa a 25 de Outubro de 1960.

Foi uma figura de destaque, tendo sido condecorado com a Grã Cruz da Ordem de Cristo, Cruz Vermelha de Mérito e Grã Cruz da Ordem e Liberdade, em Portugal.

Na Bélgica recebeu a condecoração de Oficial da Ordem Leopoldo II. Na Grécia foi agraciado com a Cruz de Grande Comendador da Ordem da Fénix e Comendador da Ordem do Salvador. No Peru recebeu a Grã Cruz da Ordem "El Sol del Peru" e no Brasil a Ordem do Cruzeiro do Sul, Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, Medalha Comemorativa do Centenário do Nascimento do Barão do Rio Branco, Medalha Comemorativa do Centenário do Nascimento de Rui Barbosa e Grã Cruz da Ordem do Rio Branco.

Escritor e poeta deixou uma vasta obra literária (ANTEU, SISIFO e HUMILDE PLENITUDE, entre outras).


quarta-feira, 5 de maio de 2010

Alda Lara

Mãe Negra

Prelúdio


Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo

Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..

Alda Lara

(Alda Ferreira Pires Barreto de Lara, de seu nome completo. Nasceu em Benguela, Angola, em 9 de Junho de 1930, falecendo em Cambambe, Angola, a 30 de Janeiro de 1962).
Muito nova foi para Lisboa onde concluiu o 7.º ano do Liceu. Frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, onde se licenciou. Em Lisboa esteve ligada a algumas das atividades da Casa dos Estudantes do Império. Declamadora, chamou a atenção para os poetas africanos.
Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira (Angola) instituiu o Prémio Alda Lara para poesia.
Orlando Albuquerque propôs-se editar-lhe postumamente toda a obra e nesse caminho reuniu e publicou um volume de poesias e um caderno de contos. Colaborou em alguns jornais ou revistas, incluindo a Mensagem (CEI).
É autora de Testamento, Presença africana, Anúncio, Prelúdio, Ronda, e Poemas que eu escrevi na areia .
A poesia que hoje publico tornou-se um êxito pela voz do cantor Paulo de Carvalho.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Aníbal José de Matos

Raízes

Raízes da cobiça
Soltam-se da terra
E querem devorar o mundo!

Raízes da vaidade
Despontam nas vertentes
Dos espíritos medíocres!

Sobejam as amarras
Que prendem
A liberdade.

A hora da verdade
Tarda em desfilar
Na passarela das virtudes.

Aníbal José de Matos – 3 de Maio de 2010

domingo, 2 de maio de 2010

Maria Almeida


Ternuras


Brotam ternuras dos teus olhos cansados!
Mas tu pespontando a ouro o fugaz momento
Soubeste dar à amarga vida
Um sonho mergulhado de doces flores perfumadas!

E não te deixaste jamais levar
Pelo vento devastador
Que derruba a vasta planície
Nos dias de forte tempestade…

Tu bebeste níveas manhãs com cheiro a maresia
Tu acalmaste a rudeza das grandes iras
Tu trouxeste o sonho onde o vazio se instaura
Tu leste a agonia nos olhos silenciosos
E falaste mesmo quando nada dizias…

Tu trocaste as sedas e os brocados
Por tecidos que usavas cada dia
Tu trocaste o teu Palácio Encantado
Pelos passos que a vida te tecia!

E quando o desânimo
Avançava a passos leves…
Tu soubeste descerrar com mãos de brisa
A janela que se abria sobre o mar!

Assim docemente talhaste a vida
Em toda a sua profunda plenitude
Quando julgavas apenas cumprir teu ser…
Porque além de seres a grande mãe
Tu foste o ideal de mulher…
Maria Almeida - Porto
 
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