sábado, 17 de outubro de 2009

ISAURA MATIAS DE ANDRADE

Melopeia diabólica
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Por Deus, ó Vento, serena:
Causam-me dó as ramadas;
só tu não sabes ter pena
das pobres folhas, coitadas!
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E roubas aos passarinhos
casa e sombra, o abrigo amado,
não lhes respeitas os ninhos!...
Estragas tudo, malvado!
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Já namoraste essa rama,
folhas que arrancas sem dó
para lançá-las na lama,
para arrastá-las no pó!...
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Curvam-se os caules novinhos
tremendo de encontro ao chão...
Deixa-os ficar, coitadinhos,
deixa-os viver, furacão.
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Os velhos troncos, lascados,
não tremem ao teu soprar:
Dizem, caindo aos bocados;
"Antes assim que vergar..."
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Às casas de telha vã,
fazes voar os telhados,
para a chuva, tua irmã,
ir ao lar dos desgraçados!...
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Quem te viu tão brando e doce,
quando eras brisa somente!
Tinhas tu o que quer que fosse
que afagava toda a gente.
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Nas tardes quentes de Agosto
- nunca tal bem me esqueceu -
lembravas, dando em meu rosto,
hálitos de anjos do Céu!
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Agoras brames iroso,
devastas tudo a correr;
és um doido furioso
que ninguém pode prender!...
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Chamas a ti as procelas
e atacas qualquer abrigo:
Atiras portas, janelas...
Não pára nada contigo.
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Cessa a louca galopada,
não me açoites mais a vida;
deixa a minha alma, coitada,
por tanta dor sacudida!...
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Isaura Matias de Andrade
(Do livro "Sinfonia da Terra", publicado em 1943, numa edição da Livraria Editora EDUCAÇÃO NACIONAL - Porto)
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Foi uma colaboradora assídua de O FIGUEIRENSE e DEFESA DA BEIRA (ambos jornais fundados por meu tio, Joaquim Gomes d'Almeida).
Autora de diversos livros de poemas, entre os quais Chão de Flores (1036), Malvas do Meu Jardim (1940) e Edifício de Sonhos (1942), era natural de Sinde - Tábua (Beira Alta) e faleceu em Buarcos - Figueira da Foz.

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