domingo, 17 de janeiro de 2010

Cesário Verde


Cinismos

Eu hei-de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha Cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada...

Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde, nasceu em Lisboa (Portugal), a 25 de Fevereiro de 1855, onde faleceu a 19 de Julho de 1886, vítima de tuberculose.
Poeta de reconhecido mérito, usou técnicas impressionistas, evidenciando grande sensibilidade sobretudo quando focava a cidade e o campo.
Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, abandonando ao fim de alguns meses, para ir trabalhar num estabelecimento de ferragens pertencente a seu pai.
Publicou imensos poemas, alguns dos quais nos jornais Diário de Notícias, Diário A Tarde e A Tribuna, entre outros títulos.

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