domingo, 31 de janeiro de 2010

CAMILO PESSANHA


Caminho

Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro,
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

Camilo Pessanha
Camilo Almeida Pessanha, de seu nome completo, nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e faleceu em Macau em 1 de Março de 1926.
Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Coimbra, indo depois para Macau onde, no Liceu, exerceu as funções de professor de Filosofia Elementar.
Em 1900 foi nomeado conservador do registo predial de Macau e, posteriormente, juiz da comarca.
Escreveu, entre muitas obras, Caderno Poético de Camilo Pessanha, Ó meu coração torna para trás, Viola chinesa, Rosas de Inverno, Passou o Outono, já torna o frio, etc.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010


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Aníbal José de Matos, do livro "ESPERANÇAS"

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Aníbal José de Matos


Diz-me quem és

Quem transporta a tua alma
E lhe empresta essa forma opaca
Com que tentas iludir-me
E desprezas com a força
Que vem sei lá de onde?

Quem és tu que eu não conheço
Nem mora no álbum das memórias
Que guardo religiosamente?

Será que pretendes ser a minha sombra
Para me perseguires incólume
E sacares do sabre como ser inimputável?

Não sei quem és, mas estou à tua espera!

Aníbal José de Matos

(do livro a editar "Embarque em Sobressalto")

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CECÍLIA MEIRELES


AQUELE QUE APROXIMA OS

QUE SEMPRE ESTARÃO


Aquele que aproxima os que sempre estarão
distantes e desunidos
e separa os que pareceriam
para sempre unidos e semelhantes
enxuga meus olhos
no alto da noite de mil direções.
Encostada a seu peito,
contemplo desfigurada
o negro curso da vida
como, um dia,
do alto de uma fortaleza
vi a solidão das pedras milenares
que desciam por suas arruinadas vertentes.

Cecília Meireles

Cecília Benevides de Carvalho Meireles, de seu nome completo, nasceu e morreu no Rio de Janeiro (Brasil), respectivamente em 7 de Novembro de 1901 e 9 de Novembro de 1964.
A exemplo de muitos poetas brasileiros, Cecília Meireles, que era filha de pais portugueses (naturais dos Açores), foi, a exemplo de grandes referências do país irmão, uma poetisa de incontrolável valor, assim como pintora, professora e jornalista.
Escreveu, entre muitas outras obras, Retrato Natural, Problemas de Literatura Infantil, Amor em Leonoreta, Poemas Escritos na Índia, Batuque, Pequeno Oratório de Santa Clara, Pistoia, Cemitério Militar Brasileiro, Canções, Giroflê, Giroflá, Romance de Santa Cecília, A Bíblia na Literatura Brasileira, A Rosa, Metal Rosicler e Panorama Folclórico de Açores, este em homenagem aos seus progenitores.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Cesário Verde


Cinismos

Eu hei-de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha Cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada...

Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde, nasceu em Lisboa (Portugal), a 25 de Fevereiro de 1855, onde faleceu a 19 de Julho de 1886, vítima de tuberculose.
Poeta de reconhecido mérito, usou técnicas impressionistas, evidenciando grande sensibilidade sobretudo quando focava a cidade e o campo.
Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, abandonando ao fim de alguns meses, para ir trabalhar num estabelecimento de ferragens pertencente a seu pai.
Publicou imensos poemas, alguns dos quais nos jornais Diário de Notícias, Diário A Tarde e A Tribuna, entre outros títulos.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

José Gomes Ferreira


A minha solidão

A minha solidão
Não é uma invenção
Para enfeitar noites estreladas…

… Mas este querer arrancar a própria sombra do chão
E ir com ela pelas ruas de mãos dadas.

… Mas este sufocar entre coisas mortas
E pedras de frio
Onde nem sequer há portas
Para o Calafrio.

… Mas este rir-me de repente
No poço das noites amarelas…
- única chama consciente
Com boca das estrelas.

… Mas este eterno Só-Um
(mesmo quando m queima a pele o teu suor)
- sem carne em comum
Com o mundo em redor.

… Mas este haver entre mim e a vida
Sempre uma sombra que me impede
De gozar na boca ressequida
O sabor da própria sede.

… Mas este sonho indeciso
De querer salvar o mundo
- e descobrir afinal que não piso
O mesmo chão do pobre e do vagabundo.

… Mas este saber que tudo me repele
No vento vestido de areia…
E até, quando a toco, a própria pele
Me parece alheia.

Não. A minha solidão
Não é uma invenção
Para enfeitar o céu estrelado…

… mas este deitar-me de súbito a chorar no chão
E agarrar a terra para sentir um Corpo Vivo a meu lado.
.
José Gomes Ferreira

José Gomes Ferreira nasceu no Porto em 9 de Junho de 1900 e faleceu a 8 de Fevereiro de 1985
“Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto. Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros. Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreia, Lírios do Monte (1918), Poesia, Poesia II e Poesia III (1948, 1950 e 1961, respectivamente), recebendo este último o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores. A sua obra poética foi reunida em 1977-1978, em Poeta Militante. O seu pendor jornalístico reflecte-se nos volumes de crónicas O Mundo dos Outros (1950) e O Irreal Quotidiano (1971). No campo da ficção escreveu O Mundo Desabitado (1960), Aventuras de João Sem Medo (1963), Imitação dos Dias (1966), Tempo Escandinavo (1969) e O Enigma da Árvore Enamorada (1980). O seu livro de reflexões e memórias A Memória das Palavras (1965) recebeu o Prémio da Casa da Imprensa. É ainda autor de ensaios sobre literatura, tendo organizado, com Carlos de Oliveira, a antologia Contos Tradicionais Portugueses (1958).”

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010


 
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