segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Miguel Torga


M Ã E

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga

Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia Rocha,nasceu em São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, em 12 de Agosto de 1907 e faleceu em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995. Foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX, considerado mesmo, por alguns, o poeta português mais importante do século XX.

O poema aqui reproduzido foi cantado, entre outros, por Frei Hermano da Câmara.

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