quarta-feira, 8 de junho de 2011

Cesário Verde



CINISMOS

Eu hei-de lhe falar lugrumemente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha Cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada...

Cesário Verde

Cesário Verde (José Joaquim Cesário Verde, de seu nome completo), nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de 1855, ali falecendo em 19 de Julho de 1886, contando, pois, apenas 31 anos de idade. Em 1877 começou a ter sintomas de tuberculose, doença que já lhe roubara o irmão e a irmã. Estas mortes inspiraram um dos seus principais poemas intitulado NÓS.
No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, que são os seus cenários prediletos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se de uma forma mais natural.

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