terça-feira, 26 de outubro de 2010

Aníbal José de Matos

Pesadelo

Que sonhos povoam a mente das crianças
Abandonadas por tantos desenganos,
Enquanto os rios se sobrepõem
Aos caminhos degolados pela chuva?

Que pesadelos percorrem as memórias
De quem tudo perdeu na enxurrada
De corações doentes e perversos?

Donde e quando surgirá o renascer da esperança
De povoar de novo estes vazios?

Aníbal José de Matos em "EMBARQUE EM SOBRESSALTO" - 2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Daniel Duarte

(O autor, então com 35 anos)

ADEUS

Que pena, Amor, ver todos os lugares
Desertos do teu corpo, a tua vida!...
Gemem as pedras por as não pisares,
Chora o silêncio a tua voz perdida…

Passa mais triste o vento pelos ares,
Levando folhas mortas, de fugida…
Nos rochedos da praia, a voz dos mares
Tem ecos de saudade e despedida…

Mas teus sinais, Amor, não se evaporam:
Revivem na canção que os búzios choram,
Nos sonhos que o mar guarda e eram teus…

E ao quebrarem-se as ondas, uma a uma,
Eu sonho ver, na fímbria de alva espuma,
Teus braços brancos a dizer-me adeus…

Daniel Duarte

O poeta, natural de Lisboa, nasceu a 16 de Janeiro de 1930.
Frequentou as Belas-Artes, tendo-se licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Obteve o primeiro prémio, com o soneto acima transcrito, nos IX Jogos Florais – V Nacionais, do Grupo Desportivo da CUF do Barreiro, em 1965.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Guilhermina Pinto Cardoso


OUTONO

Findaram as palestras nos balcões
Sob o doce frescor das orvalhadas…
Folhas caídas ficam sepultadas
Como se fossem mortas ilusões.

Já as noites refrescam lentamente,
E lá no alto, as trémulas estrelas,
Parecem mais distantes, menos belas…
Empalidece a orla do poente.

Vejo assim as paisagens no Outono…
-Uma árvore morta, ao abandono,
Abatida no chão pela nortada…

E a haste dum lilás, mirrada, velha,
Tenta prender a última centelha
De luz que se finou cristalizada!
Guilhermina Pinto Cardoso (Castendo - Viseu).
Poema extraído do seu livro URZES DA BEIRA, escrito em 1942.
Na foto, a capa deste trabalho da poetisa.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Manuel Guimarães

Dia de anos

Meu sabor de menino que fez anos
Como se foi de mim… como se foi…
Andam maiores e desenganos
A magoar-me a vida, que me dói.

E choram tantas coisas nos meus olhos!
Eles, cansados, a lembrar, demoram…
E ficam-se a olhar, olhando os olhos
De tantas coisas que em meus olhos coram.

Quero para ti as horas mais amenas
Com o sabor de céu e a formosura
De mil ondas mimosas e serenas.

Não tenhas pela vida os meus enganos
Nem Deus te leve nunca essa ventura
Do sabor da menina que fez anos.

Manuel Guimarães (do seu livro AQUELA HORA E A VIDA – 1984) (Capa aqui reproduzida)

Manuel de Jesus Ferreira Guimarães, natural da Figueira da Foz, onde nasceu em 12 de Agosto de 1916, falecendo em Lisboa a 19 de Outubro de 1992.
Dele disse um dia o poeta António de Sousa Freitas, a propósito do livro acima referido: “… retalhos de alma e coração a formarem um todo, aquele todo que é ele mesmo, homem e poeta, vida vivida, ternura, amor.”
Na verdade, neste soneto, um dos muitos que compõem a obra, o poeta figueirense mostra a sua veia literária voltada para a sublime arte da poesia.

III ANTOLOGIA DE POETAS LUSÓFONOS

Um aspeto da apresentação, em Pombal, no passado sábado, da III Antologia de Poetas Lusófonos, promovida pela FOLHETO Edições, e para a qual foram selecionados os meus poemas DIGAM LÁ, LOUCURA e NESSE TEMPO.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Jerónimo de Almeida



A lição do Mar

Não há canto da terra portuguesa
Que não deixe gravada na lembrança
Uma hora de alegria ou de tristeza!

Um sorriso de amor, que não descansa,
Palpitando entre as pedras dos caminhos,
Inunda o nosso olhar de confiança!

Que lágrimas, também, quantos espinhos
Escondidos na gleba empedernida
Que Deus cobriu de flores e de ninhos!

Sempre a dor perseguindo a nossa Vida!
Sempre alguma ilusão amortalhada
No pranto da nossa alma dolorida!

Antes que chegue a luz da madrugada,
Quantos sonhos se vão amontoando
Na mais vertiginosa cavalgada!

Assim, conforme o tempo vai passando,
O coração mais tem que recordar,
Umas vezes sorrindo, outras chorando!

Por isso tu, Figueira, olhando o Mar,
Lembras ainda as frágeis caravelas
Sobre as ondas azuis a baloiçar!

Também teus filhos navegaram nelas!
Também eles sonharam novos mundos,
Com os olhos cravados nas estrelas!

Foi como um sonho que durou segundos!
Mas arde ainda, em ti, a mesma chama
Que ilumina os abismos mais profundos!

Nobre exemplo de quem a Pátria ama,
Não tardou que voltasses a servi-la
Com esse ardor sagrado que te inflama!

É porque dentro dessa fraca argila
Corre o sangue da Raça, que não morre,
E em mil feitos intrépidos, cintila!

Jerónimo de Almeida, no seu livro AINDA HÁ ROUXINÓIS…(1958)
Este poema dedicou-o o autor ao figueirense Prof. António Vítor Guerra.
A obra tem uma dedicatória especial: “À imperecível memória do ilustre figueirense Carlos Sombrio [pseudónimo de António Augusto Esteves]”

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Antologia de Poetas Lusófonos


domingo, 10 de outubro de 2010

Isaura Matias de Andrade

MISANTROPIA

Como é merquinha e falsa a Humanidade!
Quem gosta de jurar constantemente,
É falso e mau, já sabem que nos mente
Sem respeito nenhum pela verdade.

E quem exibe a sua caridade,
Pratica qualquer coisa que não sente;
Procura a forma de tornar decente
O defeito tão feio da vaidade.

O que se disse não se sente mais:
Pois qual de vós, ó míseros mortais,
É de uma só palavra a vida inteira?

Pobre de mim que sinto e sofro imenso
Sabendo que também eu vos pertenço
E devo proceder de igual maneira!...

Isaura Matias de Andrade em O MEU DESEJO

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Gomes Leal


Desejo estranho

A ideia do teu corpo branco e amado,
Beleza escultural e triunfante,
Persegue-me, mulher, a todo o instante,
Como o assassino o sangue derramado.

Quanto teu corpo pálido e sagrado
Abandonas do leito, palpitante,
Quem jamais contemplou em noite amante
Tentação mais cruel, tom mais nevado?

No entanto, - louco, excêntrico desejo!
Quisera às vezes que a dormir te vejo,
Tranquila, inerme, branca, unida a mim.

Que o teu sangue corresse de repente,
Fascinação da cor! – e estranhamente
Te colorisse o pálido marfim.

Gomes Leal


António Duarte Gomes Leal , de seu nome completo, foi um poeta e crítico literário português. Nasceu em Lisboa a 6 de Junho de 1848, ali falecendo em 29 de Janeiro de 1921.
Publicou, entre outras obras, A Fome de Camões, O Tributo do Sangue, A Canalha, Claridades do Sul, A Traição, O Renegado, A Morte do Atleta, História de Jesus para as Criancinhas Lerem, Troça à Inglaterra e A Senhora da Melancolia.
 
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