domingo, 28 de fevereiro de 2010

Aníbal José de Matos


“Love story”


Amo-te desde o primeiro instante em que te vi!
Invejo o mar azul
que te envolve num amplexo constante,
as ondas a embalar-te com ternura
e a Serra que te contempla e protege,
o Mondego sussurrante que te beija!

Invejo as areias do teu leito,
o Céu e o Luar que te ilumina,
o Sol que te aquece num enlevo
e os incomparáveis poentes de feitiço!

E morro de ciúmes quando à noite
as águas te murmuram ternamente
tudo quanto ambicionava mas não sei
dizer-te meu Amor!

Quedo-me então triste e solitário
por não saber dizer-te tanta coisa!
E olho-te, e amo-te sem que saibas
o muito que te quero, te desejo!
FIGUEIRA, eu me confesso: tenho ciúmes
Dos que vivem o prazer do teu encanto!

Aníbal José de Matos (do livro CONFLITOS-1990)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Manuel Alegre


As mãos



Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não se pedra estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vez nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre

Manuel Alegre de Melo Duarte, natural de Águeda, onde nasceu em 12 de Maio de 1936.
Escritor, poeta e político português, é candidato à presidência da República.

Tomás Pinto Brandão


Epitáfio

Caminhante que vais tão de corrida.
Pois em nada reparas na jornada.
Repara por tua vida no meu nada.
Que foi toda uma morte a minha vida.

Também do mundo andei muito partida,´
Posto que em diligência mal parada,
E por não ser verdade incorporada
Uma mentira sou desvanecida.

Eu tive ocupação sem exercício,
Eu fui mui conhecido sem ter nome,
Eu, ingrato, morri sem benefício.

Exemplo toma de mim, ó pobre homem,
Que se tratares mal, vives de vício,
E se viveres bem, morres de fome

Tomás Pinto Brandão

Tomás Pinto Brandão, foi um poeta que nasceu e morreu no Porto, em 1664 e 1743, respectivamente.
Segundo a Wikipédia, partiu para o Brasil na companhia do poeta e amigo Gregório de Matos e aí, devido à sua irreverência em matéria de religião, foi preso. Condenado ao degredo em Angola, apaixonou-se pela sobrinha de uma rainha africana. Mais tarde casou, mas foi vítima de um processo movido pela sogra, situação que utilizou de forma satírica para escrever um soneto no mais puro estilo barroco. O seu regresso a Portugal ficou marcado por uma nova condenação e prisão.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Nélson de Barros e Frederico Valério

O meu primeiro amor

Ai, quem me dera
Ter outra vez vinte anos
Ai, como eu era
Como te amei, santo Deus.
Meus olhos
Pareciam dois franciscanos
À espera do sol, que vinha dos teus.
Beijos que eu dava
Ai, como quem morde rosas
Como te esperava
Na vida que então vivi.
Podiam acabar os horizontes
Podiam secar as fontes
Mas não vivia sem ti.

Ai, como é triste
De o dizer não me envergonho
Saber que existe
Um ser tão mau, tão ruim,
Tu que eras um ombro para o meu sonho
Traíste o melhor que havia em mim.

Ai, como o tempo
Pôs neve nos teus cabelos
Ai, como o tempo
As nossas vidas desfez.
Quem me dera
Ter outra vez desenganos
Ter outra vez vinte anos
Para te amar outra vez.

Nélson de Barros que um dia Raul Soldado considerou “um grande jornalista e o maior autor de revistas que conheci”, é o autor deste poema, musicado por Frederico Valério, e cuja primeira intérprete foi Maria Pereira, seguindo-se Maria da Fé e Cidália Moreira, cuja voz ficou indelevelmente marcada por este fado.
Amália Rodrigues também foi uma das que o interpretaram
.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

José de Ornelas


MONTEMOR

Foi há trinta e oito séculos!...
tinha pouco mais de um terço
da idade que hoje tem
o nosso globo! – Antiquíssima
e nobre, mais que ninguém,
é Montemor, a Medobriga
daquele tempo incristão!

Era um monte agreste e inculto,
que a natureza engastou,
para um altar de seu culto,
no que mais belo encontrou!
E, mais tarde, povo adulto,
olhando, ufano, a planície
do Mondego, aos outros disse:
“Olhai p’ra esta lindeza!
Prestai culto à Naureza!
-Qualquer de vós é menor!...”

Ficou Verride calado…
Reveles teme o soldado…
e só Maiorca, assomado,
contestou Monte-maior.

Caminha, caminha, avança,
não há de parar jamais,
o Tempo, desde criança
até que por fim alcança
da Eternidade os umbrais!
Entrará por ali dentro;
e, baqueando no centro
das gerações que ele viu;
todas… tudo confundido,
inentidado, volvido
ao novo caos de então;
nem vestígio, lenda, história
do que foi; do amor, da glória,
neste mundo-imperfeição!

E caminhou, foi avante,
na direcção do Infinito,
por muitos séculos adiante,
o que destrói sem delito.

Veio de Roma, orgulhoso,
Manlio erguer o castro idoso
da abatida povoação;
que, nas campinas do Tibre,
ah!, nunca teve ar tão livre,
tão puro céu, flóreo chão!

Ai! Par’cia que o mofino
q’ria evitar o destino,
que na Tarpeia o lançou,
quando aqui – de longes terras,
através de plainos, serras –
Manliana edificou!

Anos dois mil e setecentos,
até à infâmia, à traição
do vilíssimo Julião,
experimentou os eventos
da conquista e redenção
a própria filha de Brigo,
que depois Manlio adoptou,
e que em Montemor ficou.

Porém mais tarde… oh!, mais tarde
cento e trinta e quatro anos,
segundo a conta melhor…
(todo o mundo sabe a história,
Que nos vem por tradição,
E que encerra tanta glória!)
foi proposto em Montemor,
pelo seu conquistador,
o famoso Abade João!

E depois de três mil anos
de alternativos senhores,
baldões vários, esplendores,
- apogeu e perigeu:
renasceu, filha do conde [Conde D. Henrique]
que à moirama a conquistou,
a Montemor de hoje, aonde
foi a cidade pagã;
- foi de Brigo a primitiva
Fada, ninfa, aérea diva,
Encantadora, louça!

Oh! Salve, irmã de Coimbra
e da Figueira – a mais nova!
Cada uma de vós timbra
em nos pôr o afecto à prova!
Cada uma nos envia,
nas torrentes de poesia
com que transborda o Mondego,
tão grande encanto, magia
tão poderosa, que eu…, cego,
quase que me atiro ao pego,
neste mar de sedução!...
Porém… não! Mil vezes não!
Tenho n’alma um claro espelho:
foi-me berço este concelho…
Salvé, Montemor-o-Velho!
- É só teu meu coração

José de Ornelas (Montemor-o-Velho – 1892)

José de Ornelas, de seu nome completo José de Ornelas a Fonseca Nápoles, era natural da Abrunheira, tendo vivido muitos anos na Figueira da Foz.
Era licenciado em Direito
Escreveu e leu uma poesia, com o título “Aos figueirenses” na inauguração do Teatro-Circo Saraiva de Carvalho (hoje Casino da Figueira), em 3 de Setembro de 1884.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Maria de Jesus


Ventura…


Essa casinha branca e sossegada
Que eu outrora sonhei haver um dia,
E em que eu fosse rainha e fosse fada
Dedicando-te amor, minha alegria,

Essa casinha branca e bem cuidada
Em que pairasse uma etérea harmonia,
Humilde sim, e onde eu visse encantada
Meu ninho de ventura e de poesia.

Em vão a procurei… Sempre distante
Quanto eu mais a buscava, mais fugia,
Só me deixando o tédio vago e triste…

Mas… o que esperava eu mais? Eis que ofegante
Eu pergunto a mim mesma… se sabia
Que a almejada ventura não existe?

Maria de Jesus (1937)

Maria de Jesus, de seu nome completo Maria Maximina Figueiredo de Jesus, nasceu em Lisboa em 1899, falecendo na Figueira da Foz, para onde foi viver desde tenra idade, em 15 de Janeiro de 1978.
Foi uma poetisa de reconhecido mérito no seu tempo, publicando três livros: “Musa Singela”, “O Enforcado” e “Pela Pátria”.
Colaborou na imprensa figueirense, com muita assiduidade, destacando-se a poesia que publicou na revista “Álbum Figueirense”.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

MARIÉ ROJAS TAMAYO


Ser la serpiente

Si pudiera regresar al Edén
A pesar de los ángeles y sus espadas de fuego
Y se me diera a escoger qué personaje encarnar en la tragedia,
Quisiera ser la serpiente.
Conocedora de los secretos de la fruta prohibida,
Lasciva en su mansa postura de espectadora del pecado,
Prefiero ser la serpiente,
Que amó a Eva en su prístina belleza,
A Adán en su tonta inocencia
Y probó a Aquel que no nos atrevemos a nombrar,
Que todos somos falibles,
Cuando hizo al hombre poseer el objeto de su deseo
Fundido a la medida de sus más umbrosas fantasías.
Quiero, sí, ser la sabia serpiente,
Porque sin ella no habría historia que contar,
Más allá de un jardín abúlico,
Semejante a una pecera de peces aburridos.

Sería, definitivamente, ese monstruo antiguo,
Retador del Divino Alquimista,
Que vio partir, cabizbajos, a los amantes,
Y a Dios marchar a su exilio, allá arriba,
Tratando de olvidar los labios de su Eva.
Porque, no sé si lo recuerdan
- a veces estos detalles pasan inadvertidos -:
Ella quedó, sonriente,
Viéndolos retirarse de la escena,
Eternamente invasora,
Propietaria definitiva,
Del Jardín que todos añoramos.

Marié Rojas Tamayo

Marié Rojas Tamayo é cubana (Nasceu em Havana a 23 de Maio de 1963). Autora, entre outros, do livro “Tonos de Verde”. Os seus contos e poemas estão espalhados por mais de duas dezenas de antologías internacionais, colaborando em revistas, jornais e internet. É membro de Honra da Academia Brasileira de Letras.

GRAÇA MAGALHÃES


JÁ NÃO SEI


Já não sei ouvir só pelos caminhos
porque já não sei existir acordada
percorro os lugares da memória
condensando desejos de claridade matinal
a primavera morreu no olhar dos frutos
a madrugada acende os gritos na ausência
das palavras de riso
de amoras em campos de milho
palavras de água e de cio
se não as vejo imagino-as
e já não sou eu a colher a polpa das sílabas
as letras desenhando limos no fundo dos anéis.

Trouxeste a Primavera num cesto vermelho.
Abriste-a de aromas para me escolheres.
para me amares devagar porque sou o que não ficou.

Graça Magalhães


Graça Magalhães nasceu em Angola a 29 de Agosto de 1963, residindo actualmente em Viseu. Publicou os seguintes livros de poemas: “Corpo de Rio”, “Na Memória dos Pássaros”, e “Lavrar no Corpo das Algas”.
É colaboradora em antologias e revistas literárias como “Palavras de Vento” e de “Pedra e Oficina de Poesia”.
(Em II Antologia de Poetas Lusófonos - Folheto Edições e Design)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ângelo Gomes


AMAR É


Amar é ver para além do próprio ver

É sentir sem ter que desbravar

É ficar trémulo no momento de te ver

É sorrir quando dá vontade de chorar


Amar é ter-te sempre em pensamento

É viver em constante comunhão

É ter as tuas mãos como se fosse um testamento

É voar por céus que nem sequer lá estão


Amar é comer pão de centeio que sabe a ti

É olhar em redor e ver coisas que não vi

É sentir frio perante a tua ausência


Amar é roer as unhas quando estou à tua espera

É sentir quanto a vida foi severa

É ver no escuro com toda a transparência.


Ângelo Gomes (Leiria), meu companheiro e Amigo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Deodato Pires

Hino a Florbela Espanca

Poetisa da dor, te designaram
Pelos versos trágicos que escreveste,
Infortúnios e desditas que sofreste,
Dramas que na vida te marcaram...

Entes que amaste e não te amaram,
Frustrações que sentiste a cada instante,
Gravadas num lirfismo impressionante
Que outros, até hoje, não igualaram!...

Lutaste até ao fim, num desespero
De Alma torturada, em exagero
Submersa na mágoa e na tristeza...

Sucumbiste, vergada p'lo Destino
Legando em Sonetos, excelso Hino,

A toda a Poesia Portuguesa!...

Deodato Pires

Natural de Aldeia Nova de S. Bento (1928), reside em Olhão desde 1943. Ali tem participado em inúmeras realizações culturais. É membro do Elos Clube de Olhão, sendo colaborador do jornal "O Olhanense". Publicou os livros de poesia "Cantos e Recantos dos Meus Encantos", "Repensando" e "(Re)Viver Olhão".
Integrou a II Antologia de Poetas Lusófonos, ornanizada pela Folheto. Edições e Design.

GUILHERME PLANTIER


O Beijo

As janelas abertas estão cerradas
Com a minh’alma presa num saguão
Esperando o clamor das alvoradas
Que despertem do frio meu coração.

Não quero mais beijar esses mil espelhos
Sobejar-me a correr sem qualquer fito
Mas trespassar-m’ à luz d’alvores vermelhos
Rubores duma atracção pró infinito…

As janelas abriram-se em ti
A luz entrou em gargalhada louca
E nela vivo e sou e me perdi.

Já nada me sobeja, a paixão rouca
Sugou-me em turbilhão desapareci…
- Pois confundi-me enfim na tua boca.

Guilherme Plantier (em II Antologia de Poetas Lusófonos)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Aníbal José de Matos


E QUARTA-FEIRA DE CINZAS É JÁ HOJE...


O corso desfila entre festins

E o sonho alimenta a euforia,

Um riso fugaz dorme ao relento

No rebato das cinzas duma quarta-feira.


Vejo sombras a bailar numa dança insólita

E máscaras a encobrir iniquidades,

Esgares perpassam entre serpentinas

E rodopiam em golpes de magia.


E o Rei de um dia ri, ri e recolhe, felizão,

Vassalagens e adornos à mistura.

A fantasia ornamenta a sua corte

E o imaginário põe grilhetas no real.


E quarta-feira de cinzas é já hoje...


Aníbal José de Matos (do seu livro "CONFLITOS")


A Piscina do Araújo


As braçadas do meu sonho,
Mãos na areia, pés no mar
Num Oceano improvisado!

Sem risco mas com a força
De querer desvendar
Outros horizontes.

A sensação de vencer os obstáculos
Dum rio a apontar para o longe
Dos meus sentidos!

Um pequeno lago no espaço,
O desafio de querer
Ir mais além!

Aníbal José de Matos

16.2.2010 (do livro em construção FIGUEIRA MINHA)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

POESIA


Carnaval

(A outra máscara)


Desliza a mascarada impetinente

Num grotesco cortejo de figuras

Ecoam gargalhadas de sarcasmo

Ao longo de infindável aveniva.


Rasgam-se bocas em riso desmedido

E voam serpentinas de utopia.

E só da ingenuidade das crianças

Sopra forte uma alegria genuína.


E enquanto a fantasia permanece

Nos três dias de estranho carnaval,

Escondem-se verdades dolorosas

Com máscaras de morte a balançar

Em rostos que perecem pela fome!


Na outra margem

O desespero imola-se pelo fogo.


Aníbal José de Matos, em "CONFLITOS" (1992)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Aníbal José de Matos


Forte de Santa Catarina (1945)


Desço ao varandim,
Salpicam-me as memórias
e seguro os dedos de meu Pai.
Olho as ondas
como um primeiro e grande amor.

Saudade das manhãs
em que via o mar
gigante,
com os olhos de criança
que se perdeu no tempo.


Olhava em volta
e seduziam-me as imagens
dum mar revolto
que transportava a beleza
das manhãs frescas.


Aníbal José de Matos-14.2.2010
(do livro FIGUEIRA MINHA)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

CRISTINA TORRES


As Lavadeiras

Anda daí.
Vamos ver as lavadeiras,
Como trabalham! Ligeiras
Se sucedem as pancadas
Dadas na roupa, a escorrer;
As pernas metidas na água
- Inchadas, cheias de dores
De tanta sofrer, coitadas!

Anda daí.
Não queres vir?
Porquê? Tens medo de olhar?
Não queres, talvez, reparar
Nos sofrimentos alheios!
Queres levar a vida a rir?
Louca! Pode-se acaso viver
A vida deste momento
Sem ouvir triste lamento
Que tudo solta em redor?!

Tens lido versos cantando
As pernas das lavadeiras,
Os seus olhos de veludo,
Suas cantigas fagueiras?

Tens lido que são alegres,
Felizes e amorosas.

Olha, ali naquele relvado,
Dorme um pobre pequenino,
Um lindo, loiro menino,
Que não tem berço, coitado,
Quando a mãe abre a camisa
(camisa se é que a tem)
A mãozinha da criança,
A sua boca infantil
Procuram o seio da mãe.
Esse seio, que há uns meses
Era túrgido e rosado,
E hoje triste, engelhado,
A pele cheia de asperezas.

Seio de pobre! Os revezes
Destroem toda a Beleza.
Esta pobre rapariga
- Tem uma história banal –
Foi há tempo abandonada
Por um poeta ideal.
Viu-a uma tarde a lavar,
Fez-lhes uns versos,
Namorou-a,
Teve-as uns dias,
Deixou-a.
Nasceu aquela criança.
Um caso vulgar e vil
Como tantos, tantos mais!
Li, ontem, uns versos dele,
Feitos – segundo os jornais –
Para uma festa infantil.

Repara naquela velha:
É já toda encarquilhada;
E, contudo, desgraçada,
Lá vai lavando os trapinhos,
O homem morreu no mar
E os filhos são pobrezinhos.

Olha aquela pequenina:
Tem só nove anos. Gentil!
É uma rosa de Abril,
É uma linda menina,
A Mãe ficou moirejando,
O Pai lá vai procurando
Trabalho para viver.
Ela veio, corajosa,
Vergada ao peso da roupa
- Cedo começa a sofrer.

Anda, olha-a. É tão linda!
Tem olhos acastanhados,
Os lábios estão desbotados,
- Porque não usa batôn.
Sorri p’ra tudo. É a idade
- Pois é tão novinha ainda!
Tudo nela nos seduz.

A água vai-a beijando
O sol envolve-a de luz…

E ela canta. Ouve-a cantar,
Repara: há já amargura
Nesse canto juvenil.
Que queres? A vida é tão dura!
- E mesmo em dias de Abril
Costuma às vezes nevar.

Cristina Torres

Cristina Torres (Cristina Torres dos Santos) nasceu na Figueira da Foz em 22 de Março de 1891, aí falecendo em 1 de Abril de 1975. Foi uma lutadora pela independência das mulheres, ficando o seu nome gravado numa as artérias da cidade que a viu nascer e sendo, também, patrona duma escola secundária na Figueira. Colaborou em diversos órgãos de comunicação social.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

ANTÓNIO AUGUSTO MENANO


Na China
1.
(Nos túmulos dos Imperadores Ming)

As faces de argila
têm os olhos para todos os lados
todas estas expressões
sacodem o pó dos tempos

2.
Os elmos e as espadas
os três dragões e as três Fénix
o xiezhi* e o leão
gastam-se.
Figuras e mausoléus
A que servem?
*
Animal mítico chinês
3.
(na Rota da Seda)

Já não saem das torres
sinais de fumo.

De cinquenta em cinquenta
quilómetros
já não sobem mensagens
no céu.

A rota já não é de seda
há pouco
que comunicar.

4.


Depois do Portão de Jade,
o deserto.
Quilómetros e quilómetros de areias.

Entrar nelas
é não poder sair.

5.


Este caminho não tem milagres,
guardei, na gaveta,
a bússola
que me levaria
à Grande Muralha.

Depois, atei uma fita vermelha
à pata direita do meu cavalo branco
para prender para sempre
o lago sossegado
onde adormeço.

6.


No bolso
uma raiz de lótus vermelho
símbolo da perfeição

lá longe
onde os seios são ilhas
de pedras ressequidas
plantei-a
ao lado
da jóia esmeralda
do meu sonho.

7.


És a desconhecida do pavilhão de chá
vestida de negro,
ténis vermelhos
junto ao lago em Xangai.

És a que passou, súbita,
frente ao Canídromo,
numa tarde quente.

Também te vestias de vermelho
no templo de A-Má.

As vossas pernas enchem o fogo,
encolhem-se, abrem-se, hesitam,
desprezam os universos
em que o sangue corre adormecido.

Nessas tardes disse-vos:
és a desconhecida
das praças e dos ritos
que me modelam
e constroem.

Só assim pude
encontrar a matéria
que me nutre
quando respiro.

8.


Atirei uma pedra
à Grande Muralha
fez ricochete
voltou aos meus pés.

Soube então
que não morreria
sem regressar.

António Augusto Menano (do seu livro, “Poemas da Roxa Aurora”

António Augusto Menano é natural de Coimbra, onde nasceu em 6 de Maio de 1937. Considera a Figueira da Foz a sua cidade natal.
Escritor, poeta, crítico, artista plástico.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

FREI AGOSTINHO DA CRUZ


A Cristo Crucificado

Divinas mãos e pés, peito rasgado,
Chagas em brancas carnes imprimidas…
Meu Deus! Que, por salvar almas perdidas,
Por elas quereis ser crucificado.

Outra fé, outro amor, outro cuidado,
Outras dores às vossas são devidas;
Outros corações limpos, outras vidas,
Outro querer, no vosso transformado.

Em vós se encerrou toda a piedade,
Ficou no mundo só toda a crueza;
Por isso, cada um deu do que tinha…

Claros sinais de amor, ah saudade!
Minha consolação, minha firmeza,
Chagas do meu Senhor, redenção minha!

Frei Agostinho da Cruz

Nasceu em Ponte da Barca em 1540 e faleceu em Setúbal em 1 de Março de 1619.
Chamava-se Agostinho Pimenta. Fez-se frade capucho no Convento de Santa Cruz, em Sintra.
Ocupa lugar de relevo no lirismo religioso português.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

JOSÉ GOMES FERREIRA


Cala-te ...

Cala-te, voz que duvida
e me adormece
a dizer-me que a vida
nunca vale o sonho que se esquece.

Cala-te, voz que assevera
e insinua
que a primavera
a pintar-se de lua
nos telhados,
só é bela
quando se inventa
de olhos fechados
nas noites de chuva e de tormenta.

Cala-te, sedução
desta voz que me diz
que as flores são imaginação
sem raiz.

Cala-te, voz maldita
que me grita
que o sol, a luz e o vento
são apenas o meu pensamento
enlouquecido…

(E sem a minha sombra
o chão tem lá sentido!)

Mas canta tu, voz desesperada
que me excede.
E ilumina o Nada
Com a minha sede.

José Gomes Ferreira
José Gomes Ferreira, nasceu no Porto em 9 de Junho de 1900 e faleceu em Lisboa a 8 de Fevereiro de 1985.
Entre muitas obras, legou-nos os seguintes trabalhos poéticos: “Lírios do Monte”, “Longe”, “Marchas, Danças e Canções”, “Poesia I. II, III, IV e V”, e “Poesia Militante I, II e III”.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ATENEU COMERCIAL DE LISBOA




Canção amargurada

Meu amor anda perdido
Perdido ao longe no mar.
Senhora dos Navegantes,
Atendei o meu pedido,
Não o deixeis naufragar!

Ele disse-me ao partir:
“Seca o pranto, vá, Maria,
Que ao pôr-do-sol voltarei.”
E não há meio de vir
O Deus da minha alegria.

Estou aqui nesta praia
Desde que o sol despontou.
Ondas do mar revoltado,
Olhai que o sol já desmaia
E o meu amor não voltou.

Tenho na boca o sabor
Que tem as águas do mar…
Oh! Barquinho “DEUS TE GUIE”
Traze breve o meu amor
Que anda perdido no mar!

O sino, ao longe, na aldeia,
Aumenta-me a nostalgia;
Também tu, sino velhinho,
Fazes tua a minha dor
Chorando de noite e dia.

Já fui perguntar ao vento
Que vem das bandas do norte
Se o meu amor me ouviria
A rezar cheia de alento
P’ra Deus lhe dar boa-sorte.

E ninguém, ninguém responde!
Apenas, na voz das ondas,
O mar parece dizer
Que a vida da minha vida
Não tarda que vá morrer.

Oh! Morte sê carinhosa!
Que seria de mim, a pobre
Maria da Conceição?
Ah! Senhor, antes viver
Sem um bocado de pão!
…………………
Meu amor anda perdido
Perdido ao longe no mar.
Senhora dos Navegantes,
Atendei o meu pedido,
Não o deixeis naufragar!

Fernando Augusto (sócio n.º 365 do Ateneu) - Menção honrosa -

Na senda de organizações do género, muito espalhadas pelo país, o Ateneu Comercial de Lisboa levou a efeito, em 1938, os seus 1.ºs Jogos Florais, que registaram larga afluência de concorrentes.
O Ateneu Comercial de Lisboa foi fundado por um grupo de empregados do comércio, em 10 de Junho de 1880, quando se celebrava o tricentenário da morte de Luís de Camões.

Orlando Valdez dos Santos

Ser Poeta

Ser Poeta! É cavalgar Pégaso e demandar
O mundo mítico de Psique e de seu louro
Amante. É entender, pondo-os em versos de ouro,
Dos pássaros o trilo e o bramir do mar!...

Ser Poeta! É ter, num “Ziggurat”, cantado Istar
Ou aclamado, grato, em Mênfis, o tesouro
Dos dons de Áton. É deixar na alma, o coro
Subir de laudes que a um deus quer celebrar!...

Ser Poeta! Enfim, é comungar co’a Natureza,
Co’o farfalhar das árvores, com o esplendor
Dos estrelados céus, co’a nossa Irmã Pobreza!...

É, com amor, ouvir a voz de Deus, que troa
Na Amplidão e no búzio humilde! Com amor,
Gloriar a Sua obra, eterna, justa e boa!...

Orlando Valdez dos Santos (Fátima, 13.2.1961)
Autor de "Breves Palavras sobre Mozart e a sua música", "O curso de "Língua e cultura árabes" do Centro de Estudos Humanísticos do Porto no ano lectivo de 1958/1959", "Introdução ao camito-semítico - Notas sobre as escritas hieroglífica e cuneiforme", "Sorrisos", "Cindarela", entre outras obras.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

JÚLIO DINIS


DESESPERANÇA



Meu Deus, que destino!... Viver isolado,
Sem ter quem no mundo me possa entender!
Não era esta a vida que tinha sonhado
Nos sonhos passados dum outro viver!

As feras, as aves, as flores, quanto existe,
Se abrasam num terno, dulcíssimo ardor!
Só eu, solitário, viver sempre triste!
Viver ? — Não. Que é a vida, faltando-lhe o amor ?!

É ermo entre gelos, é hórrida noite,
Onde um só astro, sequer, nem reluz!
Como hei-de, sem crenças onde a alma se acoite,
Do Gólgota ao cimo levar minha cruz ?!

O anseio, este fogo que lento me inflama
Não hei-de apagá-lo num gosto real?
E os vagos transportes que sente quem ama
Terá de abafá-los paixão mundanal?

Não ter seio amigo no qual eu repouse
A fronte cansada de ardente pensar,
Uma alma conforme com a minha, a quem ouse
Dizer quanto sinto no peito a pesar I

Ai! triste, que sorte! Viver entre gelo,
Sentindo atear-se cá dentro um vulcão!
Nutrir tanto afecto no peito, e perdê-lo!...
Desejos que abrasam, mantê-los em vão!

Meu Deus! És injusto!... mas oh! se blasfemo,
Perdoa, que a mente mal pensa o que diz!
Perdoa, perdoa-me, ó Ente supremo,
Concede-me ainda que eu seja feliz!

Oh! dá-me a ventura que em sonhos já tivel...
Uma alma que est’alma soubesse entender!
Um ente, se acaso na Terra ele vive,
Que possa este vácuo de amor preencher.

Que imenso tesouro de afectos lhe dera !
Sorrira-lhe a vida num éden gentil!
Entre outros segredos então lhe dissera
Tais falas, cortadas por beijos aos mil!

Ai! foge, deixemos da vida mundana
Seus vãos devaneios, seu fogo falaz!
Busquemos sozinhos deserta cabana,
Aonde não turve ninguém nossa paz!

Que imensos prazeres que lá nos esperam I
Que ledo futuro que então nos sorri!
Ali não há mágoas, que o peito laceram,
Dos homens o bafo não chega até 'li!

Que vida, essa vida que então lá teremos
Tão rica de afectos, de gozos sem fim!
Que ternos enlevos, que doces extremos,
Que belos os dias, passados assim!

D'esp'ranças e flores no quadro tão lindo
No cimo do monte, da aurora ao nascer,
Iremos saudá-la, dizer-lhe: — Bem-vinda
Tu sejas, que à Terra dás luz e prazer!
Depois, vendo as aves com doce harmonia
Soltarem seus cantos no bosque d’além,
Na língua dos anjos, na maga poesia,
Aos Céus nossos hinos se elevam também;

Oremos ao Eterno, sagremos-lhe os cantos,
Que d'alma espontâneos prorrompem então!
Depois resolvamos provar dos encantos
Da vida inefável que anima a solidão

Da tarde ao crepúsculo, nos breves instantes
Dessa hora em que se unem as sombras e a luz,
Também nossas almas unidas e amantes
Anelam delícias que a noite conduz!

Ali, o murmúrio da rápida brisa
Banhada em perfumes roubados à flor,
E a linfa que mansa no prado desliza,
Virão segredar-nos mil falas d'amor!

— Amor — repercutam os ecos da serra!
— Amor — lá das aves se escute na voz!
E as nuvens, as fontes, os bosques, a terra,
— Amor — só respiram em torno de nós!

— Amor — alta noite veremos escrito
Com letras douradas no livro de Deus!...
Presságio divino do gozo infinito,
Que um dia teremos unidos nos Céus.

E um dia lá corre, de amor bafejado,
Ao outro que surge prazeres iguais!
E sempre esta vida!... Mas, ai! desgraçado!...
Que assim me enlevava d'esperanças banais!

Debalde iludir-me procuro num sonho!
Cruel desengano, cruel que ele é!
Ele aponta o futuro, sombrio e tristonho,
Sem crenças, sem glória, sem vida, sem fé!

A mim só me resta viver isolado!
Sem ter quem no mundo me possa entender!
Ai! sonhos tão belos que outrora hei sonhado I
Delícias passadas dum outro viver.

Júlio Dinis

Júlio Dinis, pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, nasceu no Porto em 14 de Novembro de 1839, ali falecendo a 12 de Setembro de 1871. Médico, escritor e poeta, deixou um importante legado de obras, entre as quais “As Pupilas do Senhor Reitor”, “Uma Família Inglesa”, “Serões da Província” e “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, parte das quais adaptadas ao cinema e ao teatro.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Aníbal José de Matos


Para ti
Figueira


Olhar-te,
Esventrar e descobrir os teus segredos,
Descer à raiz do teu passado
E trazer à ribalta os teus heróis!

Sonhar-te,
Aprofundar o mar dos teus encantos,
Vaguear no rio do teu nome,
Ajoelhar aos pés do teu esplendor!

Subir à serra do teu mundo,
Beijar a encosta da alvorada,
Beber a areia do teu sangue
E viver à beira do teu Sol…

FIGUEIRA,
Deixa-me ver as vagas da esperança,
Contemplar a visão do teu luar
E amar sob a luz do teu abraço!

Aníbal José de Matos

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

JOSÉ RÉGIO


Convocação


Vem ter comigo, Noite escura
Como uma sepultura.
Tenho estrelas aos pés para te dar.
De mim te vai nascer o luar.

Saudade, vem, aperta-me a garganta
Com tua garra de carícias. Canta
A boca aberta ao ar que já lhe falha,
Mas que enchem versos que, mau grado, espalha.

Vem, Solidão, fazer-me companhia,
Remove do meu peito a laje fria.
Tenho vidas a mais, que não consigo
Viver senão contigo.

Tristeza e Humilhação, que procriais rancores,
Vinde, cobrir-vos-ei de flores.
Por ínvios descampados
Chego aos jardins suspensos enterrados.

Traições, Tédio, Amargor, Martírios, Agonias,
Enchei as minhas mãos vazias.
Liberais vo-las trago a receber-vos:
Tiranos que me fostes, soi-me servos.

Vem, Desespero! Enche-me o espaço,
Despoja-me do nada a que me abraço.
Quero embalar-te ao colo da esperança
Que nada pede, - tudo alcança.

Depois vem tu, quando te apraza.
Se ainda tremo ao pressentir-te a Asa,
Já, dada a volta, vou voltando à Origem.
Vem buscar o teu noivo outra vez virgem.

José Régio

José Régio, (pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira), nasceu em Vila do Conde a 17 de Setembro de 1901, onde faleceu em 22 de Dezembro de 1969. Foi um escritor distinto e poeta de fina estirpe.
Na sua obra poética conta-se obras como Poemas de Deus e do Diabo (de que se destaca o tão conhecido Cântico Negro (… Não sei por onde vou/Não sou para onde vou,/- Sei que não vou por aí!)), Cântico Suspenso, Colheita da Tarde e Poema para a minha Mãe
.

FLORBELA ESPANCA


Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma…
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los;
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma…
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los?
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias…

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas…
Sobre o meu coração pesam montanhas…
Olho assombrada as minhas mãos vazias…

Florbela Espanca

Florbela Espanca, natural de Vila Viçosa, onde nasceu a 8 de Dezembro de 1894, faleceu em Matosinhos, no dia em que completou 36 anos (8 de Dezembro de 1930).
De seu nome completo Flor Bela de Alma da Conceição, foi uma poetisa portuguesa de referência no meio cultural português. Teve uma vida extremamente difícil, com muito sofrimento que transpôs para a poesia que patenteia muito da sua vida íntima.
Os seus versos transmitem nostalgia, amor, e uma indescritível expressão apaixonada e sofrida por tudo que a rodeou, mas simultaneamente de intensa solidão.
Entre muitas obras, publicou Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade e Charneca em Flor.
O seu soneto mais conhecido intitula-se AMAR (Eu quero amar, amar perdidamente!/ Amar só por amar: Aqui...além.../(...)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Aníbal José de Matos

Conflito

Minh’alma quebrou-se ao congelar
A fragilidade latente.
Volatizou-se a visão
Que acalentava meus dias,
Caiu a terra nos restos
Duma imagem permanente.

Findaram-se no insondável
De teias invulneráveis
Os passos firmes e lestos
De quem tudo pressentia.
Finou-se a peregrinação
De quem implorava amor.

Resta a fé dum próximo e pleno encontro,
Sobra a confiança no eterno,
O passo decisivo no desconhecido,
A luta entre o sonho, o pesadelo e a verdade,
P’ra que sejam mais firmes os meus passos
Numa terra confusa e delirante.

Persiste o conflito entre o estar e o partir,
Entre o renunciar e o prosseguir,
Na perspectiva de que a felicidade,
Por essa fé,
Há-de voltar a acontecer.

E voltaremos a encontrar-nos.


Aníbal José de Matos, do livro “Conflitos” (1992)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

SEBASTIÃO DA GAMA


Cansaço

Não quero amar nem ser amado…
Quero ficar estúpido e cansado
A este canto, e só.

Batido pelo vento,
Sem conforto, sem pão, sem alegria.

E se eu chamar não venhas.
(Que eu não hei-de chamar-te…)

No entanto, Amor, não saias para longe.
É que eu posso, apesar de tudo quanto digo,
Chamar por ti.
E era tão bom saber que me escutavas!...
E era tão bom sentir que perdoavas!...

Sebastião da Gama

Sebastião Artur Cardoso da Gama, nasceu em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de Abril de 1924, falecendo em Lisboa em 7 de Fevereiro de 1952. Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, era um reconhecido poeta e foi professor de português na Escola Veiga Beirão, posteriormente Fernão Lopes, em Lisboa, na Escola de que é patrono, em Setúbal, e na Escola Industrial e Comercial de Estremoz.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Aníbal José de Matos


A uma criança


Tu que és vida!

Que brincas e que ris,

E a tudo que é nada dizes nada!

Tu que saltas e que choras

E ainda ris!

Que lesto corres e saltitas,

Que colhes borboletas e as soltas

P'ra que vivam!


Que pulas de flor para flor

Em busca das abelhas que são vida!


Que és alheio à dor e à incerteza,


... Vive!


Aníbal José de Matos, do livro "Esperanças", editado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz em 1982

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

ANTERO DE QUENTAL


Elogio da morte

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se integra meu dorido pensamento;
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
Dum mundo estranho, que povoa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só nas visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

Nesta viagem pelo eterno espaço,

busco o teu encontro e o teu abraço,
Morte! Irmã do Amor e da Verdade!

Antero de Quental

Antero Tarquínio de Quental, de seu nome completo, nasceu em Ponta Delgada (Açores) em 18 de Abril de 1842, onde faleceu a 11 de Setembro de 1891.
Foi uma das figuras relevantes na poesia e na política na segunda metade do século XIX em Portugal.
Nasceu no seio de uma família profundamente religiosa. Estudou no Colégio do Pórtico, de Ponta Delgada, fundado e dirigido por António de Feliciano de Castilho. Em 1858 ingressou na Universidade de Coimbra, onde se viria a licenciar em direito em 1864. É neste período que entra em contacto com a obra de Kant, Hegel, Proudhon, Michelet, A. Comte e outros pensadores contemporâneos. Funda a Sociedade do Raio, organização secreta de estudantes envolvida em práticas maçónicas e na contestação ao sistema. Colabora no jornal O Académico.
Em 1890 é chamado para encabeçar um movimento patriótico que opôs Portugal à Inglaterra em relação à partilha de África.
É autor das obras poéticas: Odes Modernas, Primaveras Românticas, Sonetos e Raios de Extinta Luz (obra póstuma).
 
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